Philwoods - Os Outros

Triplos Homicídios 

Helen

   Começou por sentir medo quando abriu a porta de casa. Uma pequena ansiedade começou a crescer-lhe no estômago, escalando pela garganta onde formou uma bola. Inconscientemente levou uma mão ao pescoço e esfregou-o. Os cabelo louros  estavam despenteados da corrida que fizera para fugir Deles até ao carro. A pele coberta por uma camada fina de gotas salgadas e a respiração intermitente. O vestido, simples e curto, preto que comprara na Top nas promoções, por não ter dinheiro para mais, colava-se à pele, desconfortavelmente.
   A sua casa era pequena, daquelas de renda barata na parte mais barata e decadente da cidade, a Periferia ou Destroço, como era conhecida na Baixa. Percorreu, descalça e com os pés imundos de terra, a curta distância que separava a porta da entrada até à cozinha, que não tinha porta, mas era dividida do resto das divisões por um longo cortinado laranja. A  televisão da sala estava ligada, sendo a única iluminação. As mãos tremiam-lhe quando estava a centímetros da cozinha. Um cheiro estranho irritou-lhe as narinas, metálico e demasiado familiar para si nos últimos catorze meses. Garras afiadas, um reconhecimento do que ia encontrar para lá do cortinado, abraçaram-lhe o coração. As lágrimas surgiram antes de sequer ter tocado na cortina.
   A voz tremeu-lhe quando falou:
   - Mãe?- Cheguei tarde demais, pensava enquanto recebia um silêncio atroz como resposta.
   As pernas tornaram-se gelatina quando levantou a cortina e deu dois passos para o interior da divisão onde horas atrás jantara. Um grito reprimido desprendeu-se das suas profundezas. Ao mesmo tempo o choque e a dor derrubavam-na para os azulejos brancos, frios como neve.
   As luzes dos postes de eletrecidade da rua davam-lhe a visão do seu pior pesadelo, uma tatuagem que iria ficar para sempre incrustada nas sua memórias.
   No espaço pequeno que fora a sua cozinha, sempre imaculada, agora era a cena de um ato macabro. A porta do frigorífico estava aberta e um taparuere com comer tinha caído. Ao lado, o lava louça estava ainda entupido de louça suja e  uma mancha de sangue marcava as bordas metálicas. Junto do balde do lixo, na parede oposta à entrada, estava caída uma faca de cozinha húmida. Havia sangue nas paredes, no chão e, pousada em cima da mesa como se se tratasse de um ato de sacrifício estava a figura pequena e encolhido de terror que havia sido a sua alegre mãe, agora morta. As pernas pendiam num dos cantos, e a cara estava tombada para o outro lado, não permitindo a Helen ver a expressão da mãe. Fios de sangue escuro escorriam pela mesa e formavam poças viscosas que brilhavam à luz artificial vinda do exterior.
   Gritou, não se importando se estava alguém para ouvir, pois não era pedidos de socorro. A dor era insuportável e expandia-se no seu corpo inferior. Só queria aliviar aquela perda, mas como, não sabia. Só sabia que a culpa era sua e que devia ter cedido ás ordens deles.
   Soube que ele estava ali, mesmo antes de aceitar o conforto do seu calor. Por momentos deixou-se ir abaixo e chorou desalmadamente contra o seu fato caro. Como ele apareceu, sorrateiro e silencioso, as sua mãos também assim apareceram para a reconfortarem. Apertou-a contra si.
   Quando conseguiu controlar os soluços e os tremores do corpo, olhou-o nos olhos. Encontrou compreensão no mar azul que eram os olhos dele. Beijou-o, sabendo que era a última vez.
   - A culpa é minha...-começou a chorar novamente.-... devia ter aceite!
   Ele prendeu-lhe a cara nas mãos.
   - Não é tua!- Puxou-a para o calor do seu abraço, onde Helen se desfez em pedaços de dor e revolta.
   - Eles vem-me matar.- sussurrou contra o pescoço dele.
   - Não.
   Por momentos confundiu-se. Quis não se importar, mas sabia que ao negar a proposta Deles teria de morrer. Só fora estúpida ao pensar que conseguiria fugir mais a mãe para bem longe dos rituais e sortilégios malucos Deles.
   Teve a certeza quando sentiu duas lágrimas carmesins pingarem-lhe a face. Eles tinham enviado o homem que amava para a matar. Helen sabia que por mais que a amasse, ele nunca desobedeceria a ordens diretas da Deles. O seu coração rasgou-se ao meio, e um sentimento dentro dela congelou enquanto a raiva fervilhava no seu ser. A necessidade de fugir dali e vingar a mãe era superior à pena que tinha por si própria e ao amor que definitivamente sentia pelo homem que iria ser o seu assassino.
   Apoiou-se nos ombros largos dele para se por de pé. Viu confusão no olhar dele.
   - Se vou morrer que seja de pé e não como uma fraca e choramingas nos braços de um assassino, o meu assassino.- Mentiu. As sua palavras atingiram-no como meteoritos, deixando uma cratera bem profunda. O mar dos olhos dele escureceu, as face enregelaram e também ele e se levantou.
    - Sabes que o tenho de fazer, Helen.- disse ele, emotivo. Viu a mão dele enfiar-se no casaco para tirar a arma.
   Aproveitou o momento e empurrou-o contra a parede. Surpreendido, ele deixou cair a arma, mas foi suficiente rápido para a apanhar. Debateu-se e gritou com todos os pulmões. Desta vez a clamar por ajuda. 
   - Não tornes isto mais difícil para mim!- pedia ele. Com a força dos braços dele ficou imóvel. Os seus pontapés eram penas para as pernas dele, mas a dentada que lhe fincou no junção do ombro com o pescoço foi bem sentida e dolorosa. Um líquido salgado e metálico, morno e agreste, encheu-lhe a boca. Teve o cuidado de não o beber e assim que ele diminuiu a força que a imobilizava, ela escapuliu-se e cuspiu o sangue todo que se derramou pelo seu queixo, peito e chegou ao vestido, perdendo-se entre os seios numa sensação fria e arrepiante. Com o impulso de fugir dele e afastar-se o máximo possível, escorregou numa poça do sangue do cadáver da mãe e caiu, batendo com a cabeça no lava louça e formando uma nova mancha de sangue ao lado da outra. A cabeça explodiu em dor e por preciosos segundos ficou inconsciente.
   Tentou rastejar quando o viu dar  passos vacilantes  na sua direção. Sabia que a dentada, apesar de funda, não o impediria de a acabar o serviço. Ali, todo o amor que sentiam um pelo outro, as noites de paixão que tiveram ás escondidas e as juras que fizeram sozinhos tinham sido esquecidas, continuando a existir depois daquela noite. A visão estava turva e o seu corpo lento a reagir, denunciando a força do impacto da queda. 
   Gemeu quando ele passou um braço por baixo da sua cintura para a puxar para cima da sua pernas. No meio do nevoeiro viu a arma. Sentiu-a encostada à cabeça, fria e a fazer pressão. Ouviu ele a destrancar a arma. Os lábios dele encontraram os seus mas mesmo que quisesse responder ao beijo, o que não queria, estava demasiado fraca. A pancada no lava louça roubara-lhe as chances de sobrev...
   Os pensamentos interromperam-se dentro de si quando viu a faca caída junto da balde do lixo. A faca que lhe matou a mãe, podia salvá-la e ferir-lhe o homem que amava. No fundo sentia pena por saber que nunca iria conseguir matá-lo com aquela faca. Com os lábios presos ainda nos dele, soube que ele a ia matar assim, a beijá-la uma última vez.
   Pegou no cabo pegajoso da faca e, antes de perder a coragem, enterrou a faca no abdómen dele. Ouviu gritar, estremecer contra si. Rodou a o cabo e enterrou-a mais fundo até sentir o sangue dele escorrer-lhe para as mão.
   Ele afastou-se e, ganhando forças, gatinhou para fora da cozinha. A televisão continuava ligada e  porta de entrada estava aberta deixando entrar uma aragem fresca. O carro estava a poucos metros, mal estacionado em cima da relva, tal fora a urgência em tentar chegar a casa antes Deles. 
   No exterior já tinha força para estar erguida, mas o peso na parte detrás da cabeça preocupava-a. Para lá das vedações, os quintais dos vizinho permaneciam sossegados e em nenhuma janela se via uma única luz acesa. As coisas no Destroço eram assim. Cada um por si. Ninguém ajudava o desconhecido. Os nossos problemas eram só nossos e mal de quem tentasse agir contrariamente. A lua cheia iluminava bem alto os céus. Lembrava-lhe a desgraça que criara naquela noite por simplesmente se ter recusado. Uma escolha mudara tudo.
   A cambalear chegou ao seu peugeot 308 cinzento, uma prenda dele. Sentou-se e ficou uns momentos sem saber o que fazer. Ligou o carro, ajeitou as mudanças e colocou o pé no pedal certo. Agarrou-se ao volante até ter os dedos branco. Olhou para o seu alpendre, onde ele já estava de pé como novo.
   - Helen!- gritou ele, enfurecido.
   Baixou-se a tempo de escapar ao  tiro que perfurou o vidro e se enterrou no banco e teria acertado em cheio na sua cabeça. Mantendo-se baixa, fez marcha atrás, derrubando a caixa do correio. Outros três tiros foram disparados. Pelo espelho retrovisor viu-o correr atrás da carrinha. Por mais rápidos, fortes e ágeis que Eles fossem, um carro nos cem quilómetros por hora era seguro.
   Carregou no acelerador, sem rumo.
   Quando carregou a primeiro vez no travão, foi para tentar não embater numa árvore, mas já não foi a tempo. O último pensamento que lhe ocorreu foi o de ter conseguido escapar.





Frank

   Levantou-se ás dez para as onze. O sol entrava pela janela, obrigando-o a sair da cama e dirigir-se à casa de banho.  Os azulejos brancos, a cor, magoavam-lhe os olhos, por ter acordado cedo e ainda os manter meio fechados. Ligou o duche e voltou ao quarto. Pegou no iphone deixado em cima da mesa de cabeceira ao lado do candeeiro. Escolheu a primeiro playlist de música e colocou o som no máximo. Voltou para a casa de banho e despiu o boxers. Dormia sempre só de boxers.
   Frank era bonito, ou pelo menos assim o diziam, e também ele o achava, ou não fosse tão fácil para si arranjar certo tipo de amigos e amigas. Com apenas dezassete anos era mais alto que o metro e setenta e oito do pai, e tinha um corpo que até alguns homens obcecados em corroer os órgãos com proteínas invejavam, sendo o dele todo natural e bem trabalhado com as suas corridas ao fim de semana, as idas regulares à piscina e ás visitas, estas menos usais, ao ginásio pois não gostava lá muito de ter estranhos a gritar enquanto levantavam pesos para tentar, e falhar, chamar a atenção das raparigas bonitas que os ignoram e ainda pensam o quanto eles são uns coitados que só tem músculos e massa cinzenta líquida. Ele tinha o corpo, mas também um grande cérebro,não fosse estar no quadro de excelência da escola, uma boa memória e tinha olhos azuis. Os olhos importavam muito, na sua opinião. O facto de o cabelo negro só ajudava a atiçar o azul claro dos seus olhos.
   Tomou um duche rápido e vestiu umas calças de ganga e uma t-shirt preta justa. Passou os dedos pelo cabelo,tratou do resto da sua higiene e fez a cama. A música parou quando dispunha as almofadas sobre a roupa da cama. Atendeu.
   - Estou?
   - Frank...- quase não reconheceu a voz de tão baixo que foi pronunciado o seu nome.
   - Helen! Ontem era para ligar-te. Eu, o Andrew, a Hanna e os outros pensamos em sair esta noite. Ir jantar, cinema, essas coisas. Talvez ir a uma discoteca a seguir. Que achas?- ficou tão excitado por ela lhe ter ligado, que foi obrigado a calar-se, notando um suspeito, e nada costume, silêncio.- Helen, está tudo bem?
   Ela começou a chorar do outro lado. Não sabia como reagir nem o que fazer. Se calhar era problemas com o namorado misterioso dela.
   - Helen, fala comigo, por favor. Diz o que se passa.
   - Eles mataram-na... tiraram-me tudo! Meu Deus, não sei para onde ir! Consegui fugir Dele.
   Definitivamente teria preferido que ela continuasse a chorar, pois não estava nada à espera que ela dissesse aquelas coisas. Estaria bêbeda? O que acabara de dizer não lhe fazia sentido.
   - Helen, onde estás? O que estás a dizer não faz sentido.
   - Está morta e a culpa é minha! Não vão parar, não vão.
   - Helen, estás mesmo a assustar-me. Quem é que está...- foi interrompido por ela.
   - Ajuda-me!- a chamada caiu.
   Bela maneira de começar um dia, pensou. Estava realmente preocupado com Helen e o discurso incoerente dela. Nunca vira Helen bêbeda e ela nem sequer parecia ter voz de bêbada, só parecia assustada, muito assustada. Foi ao armário buscar uns ténis Nike pretos e, pegando na carteira e nas chaves, saiu do quarto em direção à cozinha.
   A cozinha era um espaço aberto para a sala. Um balcão marcava o domínio da cozinha do da sala. Estava equipada com os melhores eletrodomésticos por a mãe ser uma mestre na cozinha e a tia adorar fazer experimentos na fogão da irmã, acabando sempre a ilha no meio da cozinha cheia de nódoas, taças sujas, chão pegajoso e algo a arder. A janela por cima do lava loiça, deixava-o olhar para o jardim privado do seu prédio e como vivia no terceiro andar conseguia ver bem as crianças na piscina, as vizinhas boas nas espreguiçadeiras, os homens de negócios a jogar ténis, e até um vizinho a passear com a amante, aproveitando a ida da mulher a Nova Iorque. A tia Linda dizia que a mulher ia ter com um amante.
   Quase horas de almoço, retirou dois bifes temperados previamente, uma alface, molhos e foi à despensa buscar um pacote de arroz. Na frigideira colocou os ingredientes. Enquanto fazia o almoço fazia, pegou no iphone. Lembrou-se novamente da conversa esquisita de Helen. Mal ficou online no facebook, viu logo a notícia: Mulher de quarenta e três anos assassinada a sangue frio no Destroço. A bomba fora largada pela página de uns nerds que mantinham o jornal da secundária de Philwoods ativo. Eles mataram-na... Está morta. As palavras de Helen assombraram-lhe. Ela estava a falar a verdade. Como é que não acreditei?, pensou, a sentir-se o maior burro à face da terra por não ter feito logo algo. Ela era sua amiga e pedira-lhe ajuda e ele ali a fazer o almoço a refletir o quão confuso estava com o telefonema dela. Carregou na notícia e foi parar à página oficial do Journal of the Day. Leu a notícia três vezes antes de se ter de sentar e se esquecer da frigideira com o almoço ao lume.
   Mrs. Vincent estava morta! Assassinada a sangue frio na casa da filha! Era isso que Helen lhe dissera, mas devia estar em estado de choque. Um homicídio em Philwoods não ficava longe da boca dos locais, nem na ignorância das localidades vizinhas. A última morte não natural na cidade, há duas semanas, fora um suicídio que ainda hoje era falado. Sempre gostara de Mrs. Vincent, uma mulher trabalhadora, muito simpática e alegre, que lhe dava um beijo demorado sempre que ia à casa da filha e o encontrava por lá de visita. Era-lhe estranho constatar que alguém que conhecia estava morto, que ia ser posto numa caixa, coberta por toneladas de terra e esquecida com o passar dos anos. Fez-lhe pensar que, até ali, vivera a sua vida como se tudo fosse imortal à sua volta e que só acontecia aos estranhos. Quando o cheiro a queimado lhe penetrou pelas narinas adentro, correu para o fogão e desligou-o. O almoço ia ter travo, mas que se danasse. Despachou-se a comer e a louça suja foi metida dentro da máquina.
   Tinha de fazer o que era certo. Tentou ligar sete vezes a Helen, mas nunca atendeu. As primeiras três foram parar ao correio de voz, as outras três seguintes foram desligadas por ela e a última fora Frank a desistir. Sabia que algo se passava, e cheirava-lhe a porcaria da grossa. Felicitou-se por ter pegado logo nas chaves e na carteira quando saiu do quarto e saiu de casa, apanhado o elevador aberto. A vizinha cumprimentou-o com o acenar de cabeça e ele levantou a mão. Teve sorte. A vizinha também ia para a garagem, por isso só teve de acelerar o passo e entrar dentro do seu bmw x6 que o pai lhe oferecera como prenda por ter tirado a carta e ainda o deixara escolher a cor( azul claro metálico). O conforto do carro, o cheiro a limpo, acalmaram-no os nervos. Porque sinto que estou a fazer a coisa errada? A sua consciência contradizia a razão e o dever de um bom cidadão. Quando encaminhou o carro para fora do parque de estacionamento, já tinha Sarah em linha. A voz feminina e melodiosa dela encheu o interior do carro.
   - Boa tarde, desaparecido!- disse ela, obviamente surpreendida pelo telefonema, e triste por ela não lhe dizer nada há dias. Esquecera-se até de a convidar para vir sair esta noite com ele e os amigos. Hanna queria que Sarah se amigasse com o irmão. Frank apostava que não ia dar em nada. Sarah era uma pessoa de limites e bastantes regras parvas.
   - Olá. Desculpa, tenho estado ocupado.- Mentiu.- Já soubeste do que aconteceu à mãe da Helen?
   - Sim, até já apareceu nas notícias. Acho que foi mesmo mau.
   - Também acho. Quem é que quereria fazer mal a Mrs. Vincent? Li na net que a polícia pôs de parte a hipótese de ter sido um assalto. Coitada da Helen.
   - Pois, coitada.- Sarah falou aquilo num tom ausente, ela e Helen odiavam-se de morte e Frank ainda hoje se mordia todo para tentar descobrir a razão daquele ódio profundo e letal.- Então, ligas-te porquê? 
   - Queria pedir-te um favor.
   - Diz.
   Virou à direita depois do sinal ficar verde. Como não havia trânsito seguiu pela Baixa, cheia de pessoas a desfrutar o fim de semana, esplanadas cheias de turistas, e lojistas a colar promoções nas vitrinas, sempre melhores que as da concorrência.
   - Podes vir comigo à esquadra? 
   - Fazer o quê? Oh meu Deus, foste assaltado? Se a tua mãe sabe, volta já de Paris.
   - Nada disso, é que a Helen ligou-me, a dizer coisas estranhas, acho que está em choque.
   - Ok, vou aí ter. Na verdade ninguém sabe dela.
   - Não precisas, estou a dois minutos da tua casa. Até já.
   - Até já.
   Desligaram e ocorreu a Frank um pensamento que o perturbou: E se Helen sabe quem é o assassino e está em perigo?Bolas, pensando melhor no discurso lamentoso dela, aquilo pareceu-lhe a melhor conclusão, e a mais arrepiante, a retirar.




Sarah

 Entrou no quarto do irmão sorrateiramente, após ter terminada a chamada com Frank. Nunca antes tivera esta oportunidade. O irmão esquecera-se de trancar a porta do quarto, e para ela fora uma prenda dada pelo destino, a chave para a liberdade, a possibilidade de arranjar um trunfo contra Taylor e de descobrir o que tanto preservava no quarto.
   Deixou a porta entreaberta, para o caso de alguém chegar a casa e ter a vantagem de sair do quarto e fingir que estava a sair da casa de banho ou ligar a alguém do telefone fixo. O quarto, tal como o seu e o resto da casa, estava num brinco. Tudo limpinho, cama feita, nem nenhum roupa suja e meias cheirosas esquecidas no chão. Estas era as regras da mãe: tudo limpo, tudo arrumado, pouco barulho, cada um fazia as sua tarefas e ninguém contestava as quatro regras anteriores ou sofria com a sexta regra que era fazer mais tarefas, ficar de castigo o que implicava ficar sem metade da mesada e não sair com ninguém durante uma semana. Ligou a luz, pois a cortinas azuis escuras estavam corrida não possibilitando a iluminação natural. 
   O melhor era despachar-se. Frank dissera que estava a chegar, por isso deitou mãos ao trabalho. Abriu o roupão e afastou as dezenas de cabides com camisas e calças. Vasculhou nas duas gavetas e nada. Abriu as caixas de sapatos e encontrou o seu pé de meia. Sorriu, mas voltou a guardar as notas. Queria segredos, qualquer coisa, talvez aquele telemóvel que ela uma vez o vira esconder na mesa de cabeceira. Foi para lá que se dirigiu, saltando por cima da cama de solteiro. Investigou todas as três gavetas, mas a primeira só tinha boxers, a segunda meias e a terceira fez ela soltar um gritinho fino. Estava ali! O telemóvel continuava ali. Pegou nele e escondeu-o dentro do seu bolso. Quando ia para surripiar o portátil em cima da secretária, ouviu um apito de carro. Amaldiçoou Frank e o seu sentido de oportunidade. Fechou a porta do quarto do irmão e correu para o seu quarto que ficava mesmo ao lado. Pegou na mala caída por cima da cama e viu-se ao espelho.
   Sarah era uma rapariga baixa e magra, que em criança era chamada de Esquelética. Os anos passaram e Sarah conseguiu ganhar alguma carne, sobretudo músculo. Seguia uma dieta rígida imposta pela sua nutricionista, a Dr. Kelly, e era membro da equipa de andebol feminino da Secundária de Philwoods. Colocou um pouco de gloss e fez um sorriso mecânico. Os dentes estavam brancos, quase como se polidos, e contrastavam gravemente com o bronzeado falso. Ela só tinha pena de ter olhos castanho claros, mas que, felizmente, Frank dizia serem muito belos e que lhe lembravam as areias dos desertos. Passou os dedos pelo cabelo moreno, liso e fino que lhe chegava vários centímetros abaixo dos ombros. Ela sabia que Frank achava atraente numa mulher: pouca maquilhagem, saltos, corpo sexy e cabelo comprido; morenas de preferência. 
   Depois de Frank apitar uma segunda vez, desceu as escadas a correr. Antes de abrir a porta colocou o melhor sorriso, ajustou as calças de ganga justas para dar realce ao rabo e puxou o decote mais para baixo.
   Apressou-se a sair de casa e a percorrer o caminho de pedra até ao carro de Frank.
   - É bom que me expliques tudinho- disse Sarah, enquanto colocava o sinto e Frank pisava o acelerador.
    - Explicarei.- Ele olhou-a de soslaio, voltando a colocar de imediato os olhos na estrada. Enquanto ele organizava as ideia, Sarah deu-se ao luxo de observar.
   Ele deslumbrava-a com o seu charme natural, mas também dava-lhe dolorosas desilusões sempre que se despediam e o maior sonho de Sarah ficava cada vez mais distante como se... como se não passasse disso mesmo, um sonho torturante com anos de vida. Percorreu os pêlos escuros dos braços grossos dele, encontrando a veia que ela sabia que se estendia pelo braço acima e depois havia ainda outra no peito, essa ela só via na praia ou nas piscinas, e por para resistir acaba sempre com o interior da bochecha ferido por o morder, uma vez que não tinha como lamber o peito dele sem uma boa justificação.
   - Ela ligou-me tinha eu acabado de tomar um duche.- começou Frank, virando na primeira direita quando entraram na Baixa. Ela quase fez beicinho, mas depressa começou a imaginá-lo nu, a esfregar-se, a água a escorrer pela pele morena dele, o pénis dele...- Foi tão estranha quando falou. Arrepiou-me. Tenho receio que Helen esteja com problemas.
   Sarah enrubesceu por estar a pensar no melhor amigo todo nu, mas a palavra Helen sortiu outro efeito nela, até vários: frustração, ódio e desespero. Helen não passava daquelas três palavras para si, ela estava sempre entre Frank e o amor puro que nutria por ele; era também a sua inimiga, o a pessoa a quem se dava ao trabalho de gastar horas a pensar em como destruir-lhe a vida social.
   - Ela está sempre no meio dos problemas, Frank. É o melhor que sabe fazer.- disse, rigidamente.
   - A mãe dela morreu! Assassinada! Acho que podias colocar esse teu ódio parvo de parte, ou já te esqueces-te que já foram melhores amigas?
   Aquilo caiu-lhe no estômago como pedra. Endireitou as costas e respirou. Nos últimos tempos Frank andava demasiado impaciente e irritadiço para consigo. Desconfiava que Taylor lhe tivesse dito alguma coisa. Se descobrisse que era verdade, o irmão ia ter sérios problemas e que se lixassem as suas ameaças. Recordou-se, infelizmente, da amizade entre ela e Helen, na altura Sarah estava no sétimo e Helen a acabar o Secundário, uma miúda e uma adolescente quase adulta, mas as coisas mudaram quando Sarah estava a terminar o nono e Helen a começar o seu primeiro trabalho numa estação de gasolina.
   - Fui um pouco bruta, desculpa, sei que é tua conhecida.- disse, desculpando-se, mas nunca o olhando nos olhos. Só o dissera para lhe agradar.
   -  Somos melhores amigos.- emendou ele- Só te pedi para vires pois estiveste sempre lá para mim, praticamente nascemos juntos, quase irmãos.
   Irmãos! Não, não!, gritava o interior de Sarah. Ele não a poderia ver como uma irmã, a não ser que tivesse queda para o incesto, assim talvez não se importasse de ser sua irmã. Quanto mais sinais demonstrava para ele, mais ele se afastava e se tornava mais ríspido. 
   Ele estacionou junto do parque que havia em frente do departamento da polícia. Pessoas, casais e solteiros, passeavam pela paisagens fresca e bem tratada dos arbustos. Alguns idosos descansavam nos bancos por baixo das árvores, aproveitando a frescura das sombras. Olhou para as poucas famílias que passeavam. Os pais nunca a tinham levado a fazer aquilo. O irmão disseram que tinha poucas lembranças do casamento dos pais e da altura em que eram felizes. 
   - Vamos, antes de eu perder a coragem.- disse Frank, a desmontar o carro e esperando que Sarah saísse para trancar o carro. Sarah saiu e bateu a porta com força. 
   O departamento da polícia de Philwoods era um grande e feio edifício com três andares e que ocupada metade de uma rua nos fins da Baixa. O exterior era todos branco com janelas retangulares de uma ponta a outra. Uma escadaria levava-os até a duas portas metálicas de empurro com um corrimão corroído do tempo no meio. O parque de estacionamento à frente estava quase vazio, não fossem os carros brancos e azuis com o emblema da polícia dourado e antigo estampados a estragar tudo. Dois polícias bebiam cafés à entrada, e tiveram a gentileza de lhe abrirem a porta. Não gostou do olhar safado que o mais novo lhe fez, demasiado sorridente. Sarah deu-lhe a a sua melhor arma: o desprezo, e deixou que Frank agradecesse.
   Frank seguia em frente dela com pressa, e notavelmente nervoso. Sabia que tanto ele como ela nunca tinham entrado naquele edifício, e era estranho estar dentro dela. Ainda mais com o ar decrépito dele.O interior era igualmente feio como o exterior, tão ou mais horrível. Ela não se lembrava de ver algo com um ar tão decadente dentro de Philwoods. Até o Antigo Bairro, abandonado ao cuidado da natureza tinha casas e mansões melhor tratadas pelas estações, as tempestades e ás festas de adolescentes em queda livre no reino da droga e prostituição. O corredor por onde seguia era reto e estreito com portas de ambos os lados com bancos de madeira podre a distanciar.  O teto tinha fungos e as paredes estavam amarelas e não de pintura. O chão de tão gasto passara de cinzento claro, a uma mistura de verde escuro e algo a inclinar para o castanho. A pouca iluminação tornava o local ainda mais claustrofóbico e imundo. Fez um enorme esforço para não reparar no tipo de pessoas que estavam naquele corredor para além de polícias, gente que bebera demais na noite passada, sem abrigos, drogados e os seus traficantes, alguns alunos da sua escola revoltados com a vida ou simplesmente faziam porcaria porque precisavam de atenção dos papás ou estavam aborrecidos, prostitutas que se esqueciam que o seu lugar era, só à noite, no bar de strip, o único da cidade que ficava na velha fábrica de cerveja barata no Destroço. Só por Frank entrara ali, e esperava que nunca mais o tivesse de fazer, mas estava ali por culpa da outra. Não tinha mais ninguém a quem ligar? Não tinha de lamentar e chorar a morte da mãe? Fazer os preparativos para o funeral, ou a o corpo ia estar muito tempo na delegacia a fazer a autópsia? Talvez se suicidasse.
   Apertou a mala contra si enquanto para se sentir mais segura, enquanto Frank conversava com uma mulher polícia ao balcão. A mulher tinha um ar duro, mas em contrapeso era feia e gorda, talvez efeito de trabalhar num mundo repleto de testosterona. 
   Sobressaltou-se quando ouviu os gritos urgentes de um homem a correr pelo corredor como se o mundo fosse acabar. Instintivamente, aproximou-se de Frank e agarrou-lhe no braço.
   O homem era gordo e trazia roupa de campo. As botas estavam cheias de estrume e a camisa prestes a explodir com a barriga de cerveja. Usava um boné vermelho encardido e uma barba que podia usar para se mascarar de pai natal. 
   - Preciso que chamem o Xerife Brust.- exigiu o homem, ofegante.
   Dois polícias aproximaram-se. Todos os presentes na entrada estavam tenso e desconfortáveis com  a inquietação do homem. Um dos polícias que ela reparou ser o que lhe tinha aberto a porta, o oferecido, tentou acalmar o homem.
   - Tenha calma. Porque precisa do Xerife?
  - Calma! Como é que estaria se estivesse a lavrar e encontrasse um homem e uma mulher mortos no meio da terra! Passei-lhes por cima com a máquina!- um grande Oh surgiu na boca de todos, incluindo Sarah que apertou ainda mais o braço de Frank.
   A polícia por detrás do balcão falou para Frank.
   - Parece que terá de falar mais tarde com o Xerife Brust.
   - É o que parece.- respondeu Frank, num sussurro.




Brust

Quase não conseguiu aguentar o almoço no estômago. Nos seus vinte e quatro anos de carreira como polícia, nunca vira uma cena de crime pior que aquela: o homem branco, estava virado de costas com as pernas desfeitas do trator e via-se um breve vislumbre de um corte profundo no pescoço; a mulher de cor negra  estava em pior estado, o tratos passara-lhe por cima da cintura, e mal conseguiu continuar a olhar. 
   Os corpos jaziam na terra, sujos de lama, e já a decomporem-se. Haviam larvas, outros  insetos e moscas de volta dos cadáveres que emanavam um cheiro a podridão. Os anéis nos dedos indicavam que eram um casal, casados de fresco apostava. Enquanto esperavam pelo médico legista, alguns dos seus polícias taparam os corpos.  Afastou-se uns metros, para que se recompor. Ninguém devia ter a obrigação de ver aquilo mas, no entanto, era seu dever e obrigação prestar os serviços e a sua vida a proteger a cidade que o vira crescer enquanto homem.
   Com o sol abrasador a derreter-lhe os dez quilos a mais que ganhara nos últimos três anos, passou a mão pela testa para limpar o suor. O crime acontecera na velha quinta do agricultor Josef, um antigo amigo seu que deixou a família na Bulgária e refizera aqui a sua vida. Josef era dono de um grande lote de hectares que nem Brust tinha a certeza o quão grande era, já que o agricultor passava a vida a comprar, a vender terrenos, neste momento só tinha a certeza de que quilómetros de terra por cultivar à volta da grande e antiga casa de campo eram dele e que para lá da estrada, a única , que passava pela quinta o agricultor amealhara mais uns hectares. À noite a quinta parecia assombrada pela floresta que a abraçava. O vizinho mais próximo ficava a dois quilómetros e Josef não era conhecido propriamente pelas suas melhores características.
   Reconheceu o smart vermelho da médica legista, a Dra. Susan Lockwood. Percorreu o caminho de terra num passo apressado. A mulher ia dar-lhe nas orelhas quando entrasse em casa com as botas todas sujas de terra. Ignorou os jornalistas, ás dezenas, ou como os chamava na sua cabeça, os abutres. A única coisa que sentia por aquele tipo de pessoas que ganhava a vida a filmar e embelezar histórias para o mundo era desprezo, repúdio. Deixou-se ficar no lá de cá das fitas amarelas para mão ser atacado pelos Abutres.
   A Dra. Susan Lockwood era uma mulher rija, inteligente e muito bonita. Era redentora de uma grande fortuna familiar e apesar de estar à porta dos quarenta, ter três filhos e ter se casado duas vezes, ela mantinha-se elegante, luxuosa, uma modelo para as mulheres da sua idade, sendo agora solteira. Naquele dia envergava  umas calças de carmim juntas, subidas na cintura e um um top preto a combinar com as sandálias caras. Ela sorriu quando fechou o carro. Em tempos tinham namorado, quando tinham sido jovens. Aliás, ele fora o primeiro dela. Agora eram grandes amigos e colegas de trabalho, o que só o recordava que o tempo não perdoa, nem as costas. Admirou-lhe o corpo enquanto ela caminhava de encontro a si. Tinha pouca pintura, só um batom vermelho, alguma base e rímel. O olhos tinham sido sempre de um verde claro, mas com os anos Brust vira-os ficarem mais escuros. O cabelo era castanho escuro e caía em cascata à volta dos ombro se costas. Brust sentia-se um idiota ao seu lado. Toda ela aspirava elegância, dinheiro e ética. Ele era mais baixo que ela, a começar a ficar careca, a ganhar barriga e tinha tido uma educação simples.
   - Como estão aqui as coisas?- perguntou ela, após se baixar para passar pelas fitas.
  - Dois cadáveres. Um casal, penso eu. Ele de raça caucasiana, ela, talvez, africana. Parecem-me jovens, e foram obviamente assassinados.- caminharam lado a lado até aos corpos. Um dos seus parceiros levantou o pano. Brust travou o respirar e virou o olhar. Susan baixou-se e pediu a um dos seus estagiários que chegava a correr, a pedir desculpas, que lhe fosse buscar o equipamento e o material.
   Manteve-se a alguns metros, observando o trabalho de Susan e do seu estagiário. Ela ia dando instruções ao rapaz novo e emendando-lhe alguns erros. Era severa, mas a pessoa mais competente que conhecia. Fora a melhor aluna da escola e da universidade pelo que lhe disseram, já que ela fora se licenciar para Washington e, mais tarde tirar um mestrado a Inglaterra. Perguntava-se todos os dias como é que ela viera parar à terra natal, se podia ter um ordenado estrondoso na outra ponta do mundo e uma vida bastante mais sociável e interessante. Passaram-se, o que lhe pareceu horas,quando Susan deixou os corpos. No espaço de tempo, para lá das fitas, o número de curiosos, jornalistas e jovens delinquentes aumentara quase o dobro.
   - Preciso de examinar os cadáveres no laboratório, mas tenho quase a certeza que a causa da morte foi o corte profundo que ambos tem nas gargantas, apesar de ter de os examinar melhor. Agora sugere que mandes os teus homens vasculharem a área.
   - Porquê?- perguntou, curioso.
   - Eles não foram mortos aqui. Uma ferida daquelas deixa bastante sangue, e aqui só  está sangue resultante do atropelamento do agricultor, e já aí eles estavam mortos há pelo menos um dia.
   - Onde sugeres que comece-mos a procurar?
   - Na floresta.-respondeu ela.




Jennifer

Sentou-se num banco de jardim por baixo da sombra de uma árvore e perto do enxame de curiosos, jornalistas e fotógrafos. Todos eles, como ela, esperavam que a conferência de imprensa se iniciasse. Já lá ia meia hora de atraso.
   Cruzou as pernas e tirou o ipad da bolsa. Queria gravar tudo em vídeo, registar as emoções dos presentes para mais tarde apresentar ao pai o melhor relatório da situação, melhor ainda que a nova estagiária dele, a Levi. 
   Jenni herdou o gosto pelo jornalismo do lado do pai, que era o dono da redação do jornal de Philwoods, o PhilNews. Com dezanove anos acabados de realizar, já podia andar na universidade, mas entrara mais tarde para a escola e andou o ano anterior a fazer uma viagem pelo país de carro e alguns países estrangeiros com as duas melhores amigas, Alexandra e Sophie. Vira o pai desde de pequena a redigir o negócio e quando aprendeu a ler, passava horas a ler o PhilNews, só para dizer mais tarde aos amigos que fora o pai que escrevera as notícias. Anos mais tarde começou a perguntar-se de como descobririam eles aquelas notícias, que passavam despercebidas aos outros, queria saber como era investigar, o trabalho em campo. Assim que acabara o secundário o pai enchera-lhe a conta bancária e disse para fazer o que quisesse durante alguns meses, não a deixaria licenciar-se enquanto não conhecesse um pouco do mundo. Jenni aceitou e após as amigas convencerem os pais, pegaram as três no gipe do pai de Sophie e deixaram Philwoods para trás durante onze meses. Quando voltaram, Jenni decidiu que queria fazer trabalho de part-time na redação do pai e dali a uns meses inscrever-se-ia em todas as faculdades do estado.
   A conferência fora marcada para acalmar a população local e dar a informação que a imprensa exigia desde que os três homicídios tinham quebrado a rotina da pacata cidade de Philwoods, há dois dias atrás. Primeiro Silvia Vincent, mãe de duas filhas, quarenta e nove anos, empregada doméstica em casa de gente rica, assassinada brutalmente na casa da filha mais nova, pelo que conseguiu saber, esfaqueada selvaticamente. Mais tarde, nem vinte quatro horas depois, foi descoberto, na quinta de Josef Greinald dois cadáveres de desconhecidos, que foi indicado como homicídio duplo. A cidade que ficara em choque com a morte de Silvia Vincent, ficou mais tarde atordoada com o aparecimento de mais duas mortes cometidas por alguém. Os jornais das regiões vizinhas, sites e blog e até a televisão começaram a fazer suposições, já que as investigações aconteciam em absoluto sigilo. Começou-se a perguntar se os homicídios estariam interligados, se teria sido a mesma pessoa a cometê-los, e começou a passar de ouvido em ouvido que havia um serial killer de passagem; as razões do desaparecimento da filha mais nova de Silvia Vincent, Helen,  tornavam-se discussões às meses dos bares e cafés; as teorias corroíam a vida da população de Philwoods. Jenni não supunha nada, nem tentava juntar as três mortes no mesmo saco. Para si havia muita água a passar por baixo da ponte, muita coisa para se dizer. Tudo dependia do que iria ser dito naquela conferência.
   Endireitou-se no banco quando viu o pai aproximar-se. De cada vez que o olhava, não podia deixar de parte o quanto eram parecidos: o mesmo tom de pele torrado, a mesmo castanho no olhar, os mesmos gostos e sonhos, a mesma personalidade que por vezes os fazia levantar o sobrolho e entrar em discussões que nunca davam em nenhum acordo. Podia-se dizer que Jenni era a versão feminina e moderna de Claude Devereaux. Ele era um homem alto, a poucos centímetros dos dois metros, quarentão mas cheio de músculos, sendo bastante gabado pelas miúdas mais novas. Vestia sempre umas calças de ganga, um cinto preto, uma camisa branca que quase arrebentava com a pressão da musculatura e um blazer preto. Para não escapar, Jenni era uma mulher alta com um metro e setenta e quatro, corpo bem definido pelas idas em conjunto com o pai ao ginásio. Graças a Deus, puxara a mão em algumas coisas, como os peitos cheios, os lábios grossos e uma costas perfeitas. Gostava de roupa arejada, curta e moderna. Escolhera para a ocasião uns calções de ganga curtos que deixavam os velhos babados gabarem as suas longa pernas, recentemente rapadas, e uma t-shirt com decote branca com um girassol bordado no peito esquerdo. O cabelo estava preso num carrapato no topo da cabelo e para calçado lembrara-se de umas sandálias douradas, que eram cómodas e não lhe criavam dores nos pés.
   - Vai para casa. Deixa os adultos fazerem isto, Jennifer.- disse o pai, gentilmente, mas Jenni sabia que era uma manobra para a convencer.
   - Pai, já sou crescida. Quero e vou fazer isto. Mostrarei que estou à altura da tua estagiária.
   O pai fungou, mas antes de dizer algo mais, Jenni levantou-se e avançou para a multidão que se tornara mais barulhenta e se organizava. A conferência estava prestes a começar. Por ser ágil, surripiou pelo meio de apresentadores de televisão, fotógrafos, câmaras e outros aparelhos, e conseguiu um lugar vantajoso quase à frente.
   Por cima do grande lance de escadas, estava implantado um púlpito de madeira com um copo de água, onde o xerife Brust ia prestar informações. Em cada extremo do topo das escadas estavam dois polícias de uniformes, imóveis e com uma expressão vazia. Junto das grades, que continham o enxame nervoso de profissionais e curiosos, estavam mais sete polícias para manter a ordem. Ligou o ipad e começou a gravar, levantando um pouco os braços. As portas da prefeitura abriram-se e mais quatro polícias saíram do interior e colocaram-se lado a lado do púlpito. Um conhecido seu, saiu a seguir, de fato e gravata a acompanhar uma mulher chorosa agarrada a um homem de idade, ambos de raça negra, ambos se colocaram ao lado de um das três telas cobertas por um pano branco. O casal, obviamente em luto, levantaram o pano branco. 
   Uma rapariga, com pouco mais que a sua idade, sorria, uma das vítimas descobertas na quinta. Era mulata, tinha os olhos castanhos como os seus e o cabelo, ao contrário do seu, era uma enorme juba de caracóis que corava uma cara redonda com feições parecidas à da mulher chorosa. Jenni cegou-se, por segundos, com os flashes das máquinas fotográficas. 
   Um outro homem, de fato e gravata, saiu pelas portas, acompanhando um mulher ruiva com os seus cinquenta anos. Estava abalada, mas não havia lágrimas nos seus olhos, só uma expressão longínqua que comparou com a dos polícias, vazia. Ela levantou o segundo pano e revelou um jovem sorridente, ruivo e bastante galante de olhos verdes, a abraçar um cão de raça caniche. Houve mais flashes. 
   A porta abriu-se e saiu a filha de Silvia Vincent, Margo, acompanhada por um homem de fato e gravata e o namorado, um homem de trinta anos, robusto, alto e com cara de poucos amigos, que rodeava a sua cintura de forma possessiva. Reconhece-o-a das fotografias no facebook, e acho-a mais parecida com a mãe do que a irmã Helen. Trazia um vestido preto, uma mala a tiracolo e puxou o último pano branco com esforço, mas sem chorar. Jenni não encontrou nenhuma tristeza, nem sequer um vazio naquele rosto.
   Pela última vez a porta abriu-se e desta vez os flashes disparam logo. O xerife Brust aproximou-se do púlpito e pousou ambas as mãos sobre o tampo. Num gesto que reconheceu como sendo de nervosismo, ele bebeu água e aclarou a garganta. Levantou a mão esquerda para que a confusão no meio do enxame se aquietasse . Jenni sentiu as mãos suarem. Um silêncio perturbador e expectante cobriu a escadaria quando Brust começou a falar.
   - Há dois dias atrás, Philwoods, conhecida por ser uma terra hospitaleira, segura e sossegada, foi abalada pelo homicídio de Silvia Vincent, e os recém casados  Jamie e Laura McLister.- flashes foram disparados e uma apresentadora que reconheceu de um programa da televisão por cabo atirou duas perguntas despropositadas.- Por favor, sejam pacientes. Responderei a todas a perguntas no final.
   As perguntas audíveis tornaram-se murmúrios, e a atenções voltaram-se de novo para o xerife. Enquanto isso, não deixou de olhar para o homem de gravata ao lado dos pais de Laura McLister. O pai devia estar a espumar de raiva por vê-lo. John, o homem de fato, só trouxera desgraça à sua família, principalmente ao irmão que se suicidara há cinco anos. Perguntava-se porque razão ele voltara depois de tantos anos.  
   - Na noite de 17  de Julho Silvia Vincent foi brutalmente assassinada, com sete facada no tronco, na casa da filha mais nova, Helen Vincent...- o discurso, pormenorizado, mas nos limites da lei, continuou. Toda a gente escutava, filmava e fotografava enquanto absorviam o discurso do xerife. Começava a perguntar-se quando Brust falaria do casal quando as sua preces foram atendidas.
   O casal tinha sido encontrado degolado na quinta Josef, tal como já sabia, mas mais nada de novo foi dito, a não ser que estavam a fazer uma viagem cultural pela América. Quando chegou a vez das perguntas, uma jornalista que não reconheceu nem da televisão, nem de qualquer lado que fosse, conseguiu a primeira fasquia, por se sobrepor mais alto que os outros todos.
   - Xerife Brust, existe a possibilidade, por mais remota que seja, de os homicídios estarem ligados entre si?
   Brust, impaciente, respondeu:
   - Tal como já tinha referido anteriormente durante o meu discurso, não existe qualquer ligação entre os homicídios, mas temos profissionais a fazer o seu trabalho e até agora nenhuma prova incide nessa possível ligação.
   - Está a querer dizer que existem dois serial killer à solta?- atacou, uma outra jornalista. Esta reconhecida por todos. Era Julie Pite, apresentadora de uma crónica criminal que dava a horas extraordinárias.
   - Ainda é muito cedo para falar de serial killers, minha senhora.
   - Xerife Brust, existe algum clube satânico...?
   -... a cidade poderá estar no circuito de um serial killer?
   -... haverá mais vitimas?
   - Existe suspeitas de quem sejam os culpados?
   As perguntas continuaram até que o seu pai, surgindo do meio da multidão consegue as atenções do melhor amigo, o xerife.
   - Alguém sabe porque Helen Vincent continua desaparecida? É suspeita? É verdade que havia sangue dela?- olhou para o pai, e desligou o ipad. Os braços doíam-lhe de estar à quase uma hora com eles suspensos. Viu o piscar de olho do pai e soube tramara alguma. Brust tinha a cara vermelha e continha uma desamparo no olhar. Todos os holofotes, se existissem ali, apontavam para o xerife e para o pai. 
   Jenni foi a única a reparar na reação da filha mais velha de Silvia. Margo apoiou-se no braço musculado do namorado que também mudara o peso do corpo para outro pé.
    Queria atirar-se como uma loba esfomeada e arrancar a verdade ao pai. Saber como é que sabia do sangue. Obviamente, escavara bem fundo por informações que nem os jornalistas de topo ali presentes tinham conseguido um cheirinho. 
   - Esse facto devia permanecer fora do conhecimento público, por agora. 
   Não houve como remediar. Brust sofreu imediatamente uma tempestade conflituosa de perguntas. Queriam todos saber. O xerife, sob pressão, virou costas e entrou pela prefeitura adentro tal gato que foge de um cão após lhe comido da tigela.
   Jenni fugiu da confusão, quase sendo esmagada pelos jornalistas que queriam e exigiam respostas ao público. Vários guardas juntaram-se ao limite imposto aos jornalista para tentar acalmar os ânimos.  John olhou para ela antes de entrar atrás do namorado de Margo. Ia jurar que viu remorsos, algum arrependimento nos olhos negros dele. A ela subiu-lhe uma cólera, uma raiva há muito tempo apaziguada. 
   - Estás bem?- perguntou o pai, atrás dela.
   - Estou- recompôs-se antes que o pai a visse prestes a chorar.- Como descobris-te aquilo? Perdeste a amizade do Brust, sabes disso?
   - Tenho os meus conhecimentos, querida.- o pai sorriu e passou-lhe um braço musculados pelos ombros.- Era uma amizade por conveniência, menos um fardo.
   - Arranjas-te uma bela confusão.- constatou, enquanto observava a multidão excitada.
   - Queres que te vá levar a casa?- o pai estava a ser atencioso, apercebendo-se que Jenni estava a ir-se a abaixo.- Sabias que ele estava aqui?
   - Não, e tu?
   - Sabia, só fiquei surpreendido por ele aparecer aqui, sabendo que estaríamos aqui.
   Uma enchente de memórias reprimidas começavam a insurgir. Jenni não queria lembrar-se, não queria que a aquele noite voltasse a ser o palco dos seus pesadelos. Queria que John voltasse para a a terra natal dele,que algo o levasse atracado e nunca o mais o tivesse de o ver, nem voltar a lembrar-se.
   - Pai, odeias-o?- a pergunta escapara-lhe, mas ela queria saber. Ouvira uma vez o pai a falar com a mãe na cozinha depois do café que tomavam os dois sozinhos todas as noites antes de se deitarem. O pai respondia a uma pergunta que Jenni não fora tempo de ouvir, mas a resposta fora de que Jack não era o culpado pela morte do Alex.
   - Vamos para casa.- foi o que o pai lhe disse, arrastando-a consigo debaixo do braço.
   - Achas que a tua estagiária está a altura? Acho que vou fazer uma melhor história que ela.
   O pai sorriu, achando piada à disputa de Jenni com a estagiária.
   - A Katie é das melhores profissionais que já tive o prazer de trabalhar em toda a minha vida. É jovem, perspicaz, ativa e foi ela que conseguiu aquela informação.
   - O quê? Como?- Jenni soltou-se do aperto do pai, perplexa com o que acabava de saber.
   - Também não sei.- responder o pai, tirando as chaves do carro do bolso.
  Jenni não perguntou mais nada. Tinha a certeza qual tinha sido a fonte de Katie.




Andrew

O Bairro Alto, como era intitulado havia já vinte e cinco anos, era uma pequena e remota zona de Philwoods longe da confusão da Baixa, das criminalidade do Destroço e das pessoas de  baixa classe. No conforto da vizinhança abastadas, piscinas privadas, parques verdes e belos próprios e só com uma estrada de acesso. Perto de vinte mansões constituíam o Bairro Alto, embora, nos anos mais recentes tivesse havido a implementação de vivendas de famílias, ou solteiros abastados e algumas para alugar durante alguns meses aos turistas, mas seria sempre as enormes mansões que encantariam os turistas, algumas delas cercadas por altos muros e terrenos de diversos hectares, consoante a fortuna. 
   Era numa dessas vivendas novas que Andrew vivia com o pai, a madrasta e a filha, embora pudesse também incluir na família a cozinheira, a empregada de limpeza e o motorista pessoal do pai. A sua vivenda estava, como se encarcerada entre outras duas outras, perto da saída de Bairro Alto. Tinha três andares, um sótão, uma cave, garagem com espaço para três carros, piscina e churrasqueira nas traseiras que tinha acesso direto à floresta. Na frente uma amplo relvado aparado interrompido por um caminho de granito branco estreito que ia do passeio até ás escadas do alpendre decorado com vasos suspensos com flores trepadeiras, dando à casa um ar verde e selvagem. A madrasta dizia que escolhera a casa por ela ter um telhado limpo e as telhas serem pretas, a sua cor preferida, que fazia transparecer a cor branca das paredes exteriores. 
   Sentado no baloiço do alpendre, Andrew bebericava o sumo de laranja natural. Poderia parecer que só estava a aproveitar o belo dia de sol, que lhe fazia lembrar um pouco do Brasil, país em que vivera durante quatro anos, mas na verdade era uma farsa. Ele observava os camiões que entravam para  a mais antiga mansão do Bairro Alto, recentemente vazia. Esperava saber quem eram os novos vizinhos, se seriam herdeiros de Mr. Lorence, turistas ou alguma família com uma conta bancária recheada.  Os portões metálicos fecharam-se quando o último camião entrou nos domínios para lá.
   A mansão Lorence, o apelido da família que vivera lá até há quatro meses, era nada mais do que um enorme e encantado castelo na sua imaginação. Pelos vistos, Mr. Lorence não aderia ao grupo de vizinhos hospitalares. Desde que Mrs. Lorence falecera, e isso já fora à vinte e três anos, que nenhum outro vizinho, ou conhecido, excepto os parentes, entrava na mansão, ou sequer passava pelos portões de dois metros de metal enferrujado. A sua curiosidade aguda era sempre destruída pelos gigantescos muros de pedra fria e coberta de musgo que envolvia a propriedade privada de Mr. Lorence. Alexia, a sua madrasta, dizia que os habitantes mais antigos do Bairro Alto, as velhas cuscas, segredavam que o velho Mr.Lorence enlouquecera e mantinha até duas dezenas de criados em cativeiro. 
   - A tentar descobrir quem vai ocupar a mansão do velho?- assusta-o Hanna, a sua irmã de coração e melhor amiga.- Espero que sejam hospitaleiros, no mínimo.
   - Achas que deviam aconselhar os novos vizinhos para levarem um padre a benzer a casa?- ambos se riem. Hanna senta-se ao seu lado e rouba-lhe o copo de sumo, bebendo o resto do líquido laranja.
   - Muito ácido.- resmunga, enquanto faz aquela careta que todos fazem ao beberem algo azedo: um sorriso que mostra os dentes todos, de olhos fechados e um som desagradável de se ouvir a acompanhar.
  Hanna era uma rapariga esbelta, atlética, mas fora disso uma completa preguiçosa com mal acordar e que só pensa nela mesma. Os dias dela eram horas no ginásio, mandar mensagens, falar ao telemóvel, ver séries e idas a bares e festas. Descendente de pais brasileiros, a sua tez era de uma tom achocolatado, cobrindo-a com um beleza irritantemente perfeita. Os olhos eram castanhos, escuros como chocolate puro e o cabelo comprido era da mesma cor, brilhante e com californianas louras.
   Andrew, por outro lado, era um rapaz inteligente, também atlético, mas mais focado nas ciências e no seu futuro. Tinha cabelo louro, quase dourado, curto e rebelde, olhos azuis iguais aos do pai, muito alto, chegando ao metro e noventa. A sua cara parecia esculpida por um artista renascentista abençoado por um qualquer deus grego. As horas que passava com a irmã no ginásio fizeram com que tivesse um corpo que enchia roupas e deixava raparigas oferecidas serem ainda mais galdérias. Para o azar delas, era ele que as escolhia sempre, achava aquele tipo de mulheres um desperdício de humanidade.
   Olhou para as gotículas de suor na testa da irmã, constatando que estivera a praticar no ginásio pessoal que tinham criado num dos quartos do terceiro andar. A t-shirt dela colava-se à pele e os calções curtos revelavam demasiado, logo, o pai ainda não a vira vestido hoje. O pai tinha sempre, todos os dias, um principio de enfarte sempre que Hanna descia as escadas para sair à noite.
   - Olha, olha! Vidros fumados e tudo!- admirava Hanna o carro de topo, preto, daquele que se viam nos filmes de espiões, com vidros fumados. Os portões da mansão abrira-se, revelando um caminho de terra abraçado por uma infinidade de árvores que se estendia para lá da sua vista.- Achas que é a Angelina Jolie?
   Andrew revirou os olhos, enquanto os portões se fechavam. Hanna era fanática pela Angelina Jolie, podia-se falar em paixão platónica. Ele tinha a certeza que Hanna deixava de parte a sua preferência sexual por homens só para estar a dois centímetros de distância da atriz. Hanna tinha todos os filmes, segui-a em todo o tipo de redes sociais, tinha posters no quarto e adorava falar sobre a vida da estrela. Quando as revistas diziam algo negativo sobre o ídolo de Hanna, toda a família naquele dia tinha algo muitíssimo importante para fazer.
   - A Jolie em Philwoods? Provavelmente, se perguntasses ela respondia-te perguntando se era uma clínica dentária privada.
   Hanna fulminou-o com olhar, respondendo-lhe.
   - Mesmo que antes não soubesse, agora com toda a certeza sabe. Philwoods é o principal foco dos media nesta última semana.
   - É verdade. Sabes de novidades sobre o assunto? Encontraram os culpados?
  - Tudo no mesmo.- respondeu Hanna enquanto dava balanço.- Na minha opinião os crimes estão ligados entre si, mas, por esta hora, o criminoso já se pôs a milhas, se for esperto. Vamos sair hoje à noite, ok?
   Andrew achava desconcertante a forma como ela mudava de assunto. Demorou alguns segundos a tirar os homicídios da cabeça antes de lhe responder.
   - Pode ser. Vou ver se o Frank, vem desta vez. 
   - Aposto que trás aquela pirosa com ele
   - Sarah? Ela não parece ser assim tão má pessoa.
   - E não é. Ela é uma pessoa horrível, fria como gelo. Sabias que foi ela que tornou viral os vídeos da Cleide e da Bruna a despirem-se no balneário?
   - Quem diria! O Frank saberá?
   Hanna soltou um riso escarno e curto, que lhe subiu só um canto da boca. 
   - Foi por causa dele que ela fez aquilo.
   - Han?- Andrew enrugou a testa, sem perceber nada. Frank sempre fora um bom amigo, desde que ele chegara mais a família do Brasil há três ano atrás.
   - Tanta inteligência que até te tapa os olhos.- disse Hanna impaciente, levantando-se.- Andrew, a Sarah está apaixonado pelo Frank.
   Quando Hanna voltou para dentro, Andrew deixou-se ficar sentado, não pensado muito no que acabara de descobrir. A sua curiosidade sobre os novos vizinhos avançava à frente de qualquer outro pensamento. Queria tanto saber o que havia para lá daquele portão de ferro oxidado. Queria ser um escalador profissional e subir aquele muro coberto sobre um lençol viscoso de musgo mais escuro que a relva do seu jardim. Queria ser mosca e voar por cima de qualquer obstáculo que o impedia de saber como era a mansão Lorence, saber se existiam ainda os jardins de rosas que as velhas vizinhas tanto falavam e principalmente saber quem estava dentro do carro e que tanto queria esconder a sua identidade com vidros fumados.
   Algo grande se aproximava. Andrew sabia-o. Esperava era que não fosse tão mortal como as últimas duas surpresas da semana.




Abraham


  Toda a cidade de Philwoods era abraçada por floresta com árvores tão, ou mais, antigas que os primeiros nativos a pisarem a terra e que começaram a construir as primeiras cabanas, a tirar proveito do que a terra fértil tinha para oferecer e dar descendência. Isto tudo duas dezenas de anos antes de os Outros chegaram em carruagens adornadas de ouro puro puxadas por cavalos brancos e negros. Na altura eram chamados de Estrangeiros, mas quando a escuridão ferveu sob a terra e semeou a sua semente, os nativos começaram a sussurrar e tratá-los entre si como sendo os Estranhos, contudo aquela terra era há já muito dos Outros, mais antigos que o ancião e do que começara como uma aldeia e se transformara numa cidade.
   Havia um lago nos limites exteriores da fronteira de Philwoods. Davam-lhe o nome de Phils Lake. Era profundo, mas alguns aventureiros nadavam nele, e algumas pessoas que não tinha dinheiro para ir umas férias na praia também passavam algumas horas na beira da água escura. Um desfiladeiro lançava sobre a parte norte do lago uma densa sombra que fazia as águas serem geladas, mesmo até no verão que fazia os habitantes suarem como lontras. Os visitantes do lago só não tinham conhecimento que há perto de duzentos e poucos anos tinham morrido ali, na sombra do desfiladeiro, dezassete almas que inicialmente eram para ser vinte. Nesse mesmo lago, estavam dois de os Outros.
   O homem estava de fato azul escuro, com as bainhas das calças arregaçadas até ao joelho, onde a água calma do lago lhe chegava. O corpo enchia o fato. O cabelo louro escuro e curto brilhava ao sol. Estava de olhos fechados, pois o sol magoava-os. Aliás, só o facto de estar ali em plena luz do dia, começava a enfraquecê-lo. Não se moveu, nem um milímetro, apesar de a mulher ao seu lado chamá-lo do limite da berma, onde a água quase lhe tocava. Um vislumbre de um sorriso passou-lhe pela cara ao lembrar-se do que lhe aconteceria se a água lhe tocasse.
   - Abraham!- chamava a mulher.
   A mulher era alta, magra, morena com pernas musculadas reveladas pelo curto vestido braco de alças que vestia. O cabelo era louro, tão dourados como os olhos. Há quase meio século que não se viam e Abraham sabia que ela o queria enfeitiçar com os seu Charme natural. 
   - Posso te ouvir daqui.- respondeu ele.- Fala, Hayley.
   - Quero te olhar.- o tom dela era ansioso, quase exasperante. 
   - Estás aqui para fazeres chegar a informação aos Outros.- recordou-lhe, apesar de ter de fechar as mãos ao lado da cintura para não se mover e olhá-la, mas ele obrigava-se a ter controlo sobre o corpo, sobre a própria mente. Aquela vontade inexplicável de se virar para a ver, o desejo excruciante de se afundar nela selvaticamente outra e outra vez não passava do Charme dela a seduzi-lo, como se o chamasse. Uma leve brisa fez criar pequenos movimentos ondulatórios na superfície do lago. Irritei-a, pensou, sentido uma culpa dentro de si que graças ao seu controlo sabia ser efeito do Charme dela.
   - Sim, estou.- a voz dela tornara-se oca, quase profissional.- Temos estado atentos deste lado. Vimos a confusão que os teus capangas armaram com a Sangue Púrpura, que esperamos já estar morta.
   - Ela fugiu cá para fora. 
   - Sim, mas voltou para Philwoods, novamente. Marlene deixou de conseguir rastreá-la, e só há um sítio onde Marlene não consegue aceder.
   Sem qualquer emoção, Abraham mantinha a postura rija e os olhos fechados.
   - Então tratarei imediatamente do assunto, pessoalmente e sem demoras.- prometeu.
   - Os Outros querem que se avance mais depressa com o plano.
   - A calma tem de ser mantida. A guarda deles anda ainda demasiada atenta.
   - Por tua culpa, Abraham. Ou pensavas que não sabíamos que foste tu que ceifaste as vidas dos casados de fresco.
   Pela primeira vez, Abraham estremeceu. Hayley sorriu e começou a despir o vestido.
   - Está tudo controlado.
   - Esperemos todos que sim, pois os Outros já chegaram a acordo.
   - Sem a minha presença?!- o tom dele foi demasiado agressivo. Ouviu ela a entrar dentro de água.
   - Estás em trabalho de campo.- ela avançou até água lhe tocar nos seios pequenos mas volumosos com os mamilos duros.
   - O que decidiram?- a pergunta foi pronunciada baixinho. O Charme dela ficara mais intenso e Abraham sentia o desejo dela, podia quase jurar se sentia no calor dela.
   - Ficou decidido que até ao final do ano terás de ter encontrado mais Sangue Púrpura e o Primeiro Círculo terá de ser derrubado. Os Outros também querem voltar a Philwoods.
   Ouviu-a mergulhar e esperou que ela se afastasse para as profundezas do lago. Abriu os olhos, embora semicerrados. A cor deles era uma miscelânea de azuis escuros e vivos, que lembravam um mar tempestuoso. 




A Festa no Velho Celeiro

Frank

  Estacionou o bmw x6 perto da saída do parque de estacionamento. Ficou algum tempo no interior, uns segundos, antes de sair.
   - É melhor saíres, senão tranco-te aqui dentro.- avisou-a. 
   Sarah saiu com um suspiro longo e fingido.
   Ambos tinham sido convidados para virem a uma festa no Velho Celeiro, um antigo estábulo num quinta abandonada a uns quilómetros dos terrenos onde foram encontrados os cadáveres dos recém casados. Não era uma festa anual, nem nada parecido. Alguns alunos, os mais velhos geralmente, associados a dois irmãos gémeos, Gabriel e Gustavo, conhecidos por serem cotas fixes, apesar de ainda nem serem cotas. De forma resumida, as festas aconteciam para festejar o aniversário de alguém popular na região, ou com guito para providenciar condições, sempre que havia uma data importante ou quando acontecia algo importante na cidade. A razão da festa desta noite tinha sido a desculpa de que as pessoas andavam muito tensas devido ao triplo assassinato e precisavam de alguma descontração. Existindo só descampado e uma velha casa a tombar de podre a cinquenta metros num raio de dois quilómetros, a música transe já lhe chegava do Velho Celeiro, assim como as luzes ofuscantes que saio das rachas, dando ao estábulo um efeito digno de twilight zone.
   Frank para aquela noite não se esforçara na indumentária. Escolhera umas calças azuis e uma camisa justa laranja a combinar com os ténis. 
   Sarah deu a volta ao carro e, de forma bastante óbvia, esperou que ele recitasse algum comentário sobre o seu vestido rosa justo no peito abrindo-se como uma flores a partir da cintura. O cheiro do perfume caro atravessou-lhe as fossas nasais.
   - Estás excelente, como sempre. Vamos.
   - Obrigado. Tu também.
   Era uma festa descontraída, só para dançar, beber, quecas rápidas e tráfico de drogas leves, por isso Frank não se sentiu na obrigação de lhe oferecer o braço. Seguiram, lado a lado, pela gravilha. A noite estava abafada, com um leve brisa, depois de um dia de estrelar ovos no alcatrão. Outros convidados chegavam, apesar de a festa ser para toda a população, com a obrigação de viverem em Philwoods.
   - Hey! Frank, espera aí!
   Virou-se, vendo Andrew  a correr na sua direção, com uma mão a desabotoar o primeiro botão da camisa branca que trazia entalada numa calças cremes com um cinto de cabedal. 
   - Pensava que vinhas mais tarde.- disse Frank, enquanto dava um toque ombro a ombro.
   - Hanna consegue ser muito persistente- ambos se riram.- Olá, Sarah.
   Sarah acenou-lhe com a cabeça e fingiu-se desinteressada.
   Os três entraram juntos no Velho Celeiro, que na realidade era um estábulo.
    O interior estava lotado de todo o género de pessoas. Era como ir à pesca, lançar a rede e tanto podia aparecer um salmão saboroso como um tubarão tigre, até corríamos o risco de cair nas tramas de um polvo ou ser devorado por uma baleia. Até os cuidadosos podia ser mordidos pelos golfinhos. Holofotes faziam incidir do teto feixes de luz branca pura, quase cegando o pessoal à entrada. Nos antigos corrais, tinham sido construídas bancadas frágeis com todos o género de bebidas: álcool, água, sumos e misturas suspeitas. Ao todo eram quatro bancadas: duas no lado direito; uma logo à entrada e outra no lado esquerda, a mais concorrida. Uma palco falso estava montada ao fundos, onde um dj´s dos baratos, mas que sabia lançar boa música fazia os mais atravessados e divertidos abanarem os corpos, pularem e esfregarem-se. Em todos os cantos do estábulo havia duas ou quatro mesas de plástico com cadeiras, onde os menos resistentes se sentavam ao lado dos tímidos e daqueles que ainda agora começavam a festa. Por cima deles havia fardos de pardo que eram chamados de Pílula do Dia Seguinte, sendo a razão óbvia.
   - Acho que alguns homicídios trazem clientela para Gabriel e Gustavo. Talvez pegue.- gozou Sarah alto, para Frank, mas foi Andrew que riu.
   - É verdade. Vejam, só falta aqui os nossos pais.- e riu-se.- Vou buscar bebidas, esperem aqui. Vão querer o quê? 
   Andrew afastou-se após Frank e Sarah terem escolhido as suas bebidas. Encostaram-se a um poste de madeira. Sarah sentia-se desconfortável, era notório pela maneira como atuava: a olhar para todos os cantos.
   - Tens a certeza que não viste nenhum telemóvel caído no teu carro?- perguntou ela, após alguns minutos sem dizerem nada.
   Frank inspirou, impaciente e farto de ouvir aquela pergunta.
   - Sarah, eu contar-te-ia se encontrasse seja o que for teu no meu carro. Vasculhei-o bem e nada. Deves tê-lo perdido na rua, ou algo assim.- mentiu ele, não a olhando nos olhos.
   A música mudou para algo mais calmo, desconhecido aos seus ouvidos. Muitos deixaram de dançar e juntaram-se em grupos a conversar. Ligou o iphone e ficou ainda mais ansioso por não ter nenhuma mensagem. Estava à espera à duas horas de uma resposta.
   - Vamos dançar?- Sarah olhava-o , expectante.
   - Olha, as bebidas!- anunciou, desviando o convite. Sarah deixou descair os ombros.
   Andrew gritou,a festejar depois de entregar as suas bebidas. Andrew uma vodka, Sarah uma cerveja preta e Frank uma cerveja comum, não era muito aventureiro nesta zona. Voltou a verificar o telemóvel. Nada, por enquanto.
   Beberam e deitaram os copos de plástico para o chão. Conversaram sobre diversas coisas, e quando já iam na terceira rodada de bebidas, Sarah desistiu e aceitou os convites persistentes de Andrew para dançar. Achou super desconfortante o facto de ela o olhar e só quando ele acenou com a cabeça e a incentivou é que ela aceitou. Por um lado, confirmava-lhe as suas suspeitas e o que o irmão dela lhe contara: Sarah estava apaixonada por ele. Aquele facto perturbava-o há duas semanas, assim como descobrir que Sarah era popular à custa do sofrimento de muitos.
   A noite foi se prolongando e Frank, ao mesmo tempo que estava surpreendido, também se sentia aliviada por Andrew e Sarah continuarem a dançar. Aliás, ela nem lhe estava a dar muita importância e ria-se das coisas que Andrew lhe segredava aos ouvidos. Farto de estar a olhar para eles a dançar e de esperar e pela mensagem, caminhou para o balcão do lado esquerdo, a mais vazia. Cumprimentou alguns colegas e amigos da escola e de fora. Encostado ao balcão, uma homem tatuado e dois percings, um em cada sobrancelha, atendeu-o. Pediu uma cerveja e após pagar o que soube ser um preço exuberantemente escandaloso para uma bebida tradicional, bebeu-a encostado ao balcão, não se dando conta de quem se dirigi para ele, a não ser quando sentiu umas mãos percorrerem-lhe as costas, e uns seios de pressionaram contra as costas. O corpo de Frank reconheceu instantaneamente aquele corpo. O sangue circulou para o seu pénis, endurecendo-o, e os músculos tornaram-se rijos como rocha.
   - Sempre atrevida, Danielle.- sussurrou, sedutor, enquanto se virava.
   - Só contigo, bebé.- respondeu ela, com um sorriso branco que resplandecia na escuridão.
   Danielle era um ano mais velha que ele, mas nunca se atreveria a pensar nela como uma rapariga da escola. Toda ela era mulher, sensualidade, cada esporo dela expirava uma essência sedutora que o deixava sempre inebriado. Ela era uma mulher alta, com curvas bem trabalhadas, e um corpo bem definido no ginásio. Um vestido preto, incrivelmente curto e a apertado nas coxas, deixavam a belo prazer uma pernas morenas e fortes. Os gémeos salientados  e uma postura incrivelmente ereta eram obra de uns salto de agulha com talvez quase dez centímetros, escuros e negros como o cabelo dela ondulado e grosso que lhe caída sobre as costas, que soube estarem nuas quando ela deu uma volta rápida para ele a apreciar.  Uma tensão no ar entre eles despertou, os átomos à volta deles tornavam-se instáveis. Frank soube o que ela queria, desejava, assim que se fixou nela e se perdeu nos olhos dela que lhe faziam sonhar com o céu em dias de primavera em dias sem nuvens e que os pássaros cantam, as flores libertam pólen e  famílias passeiam os filhos mais novos nos parques.
   - Há bastante tempo que não dizes nada.- disse ele, enquanto lhe oferecia a sua cerveja. Ela deu um golo e devolveu-lha.
   - Muito ocupada. Devíamos aproveitar este tempo.- recomendou ela com promessas no brilho dos olhos e uma língua rosa a passar pelo lábio inferior. Frank já a teria despido e se enterrado nela, não fosse o maldito facto de estarem no meio de uma festa.
   - Sim. Preciso de apanhar um pouco de ar, que tal irmos lá fora?- sugeriu, mas ambos sabiam o que ia se passar lá fora.
  Como crianças entusiasmadas e irrequietas, passaram pelo meio dos corpos dançantes e apressaram-se a chegar ao exterior.
  O céu noturno estava limpo, e estando no campo, com nenhum iluminação nem poluição por perto, vários pontos estelares salpicavam uma tela preta, como se um pintor tivesse picado uma tela. A lua estava a encher, quase cheia com um leite derramado azedo que refletia a luz solar e iluminava o caminho coberto de ervas daninhas, outrora só gravilha até à velha casa. Seguiram lado a lado, a passo normal para não atrair atenções indesejadas até à velha casa. Frank torcia para que nenhum casal ainda não estivesse lá dentro a aproveitar o sossego. 
   A velha casa podia cair a cair a qualquer instante de tão podre e degradante que estava. Só restavam dois pilares do alpendre, sendo por isso que uma parte dele estivesse tombado. Alguns aventureiro subiam por ele, como se se tratasse de uma rampa de acesso fácil aos quarto do andar superior. Pensou em sugerir que o fizessem, mas reparou na dificuldade dela em equilibrar-se com os saltos enquanto caminhavam e não queria vê-la escorregar e partir o pescoço. Maior parte do telhado já tinha desabado, mas havia dois quartos que ainda eram seguros estar, apesar de em dias de chuva escorrer água do teto como se ligassem um chuveiro no interior. A casa era tão velha, e estava abandonada há igual quantidade de tempo que alguns avós diziam que tinham concebido os filhos ali. 
   Frank saltou para o que restava do alpendre e ajudou Danielle a subir. Quando ela ficou de costas, agradou-lhe ver que o vestido subira uns bons centímetros  e lhe dava uma miragem das sua nádegas redondas que lhe enchiam sempre as mãos quando a possuía. 
   - Estamos sós.- anunciou ele, após ter entrado e escutado o silêncio.
   Ofereceu-lhe uma mão que ela aceitou, e seguiram devagar pelo corredor escuro. Frank travou quando chegaram ás escadas. Virou-se e violou-lhe os lábios com a boca. A dela abriu-se e as duas língua enrolaram-se como cobras. Ambos mexiam-se rápido, por já conhecerem os gostos e os rituais de cada um. Danielle baixou-lhe as calças e os boxers, afagando-lhe o pau afavelmente. Frank subiu-lhe os vestido e descobriu-lhe os seios com os mamilos duros e a palpitar e depressa abandonou a boca dela e começou a mordiscar mamilos, fazendo-a derreter-se nos seus braços. Quase se veio nas mãos dela e foi a gota de água para ele quando Danielle lhe passou o dedo pelo pequena fenda na ponta, uma gota esbranquiçada humedeceu-lhe o dedo. Assim que ela meteu o dedo húmido e o provou, ele afastou-se, ela pôs-se de quatro e ele penetrou-a com força e sem receio de a magoar. Vieram-se num concerto de gemidos e batidos de pele contra pele.
   Demoraram a voltar a si mesmos mas, após uma hora, deitados desconfortavelmente nas escadas bolorentas, Frank recordou-se que esperava uma mensagem. Tirou Danielle de cima de cima de si, que resmungou, e puxou as calças e os boxers para cima. Procurou no bolso o telemóvel. Viu uma caixa branco no canto superior esquerdo do seu ecrã que anunciava a existência de uma mensagem. 
   - Larga isso, geitoso. Ainda não acabei.- exigiu Danielle de joelhos à frente. 
   - Tenho só de ver...- gemeu, não terminando o que estava a dizer. Afundou os dedos no cabelo escuro dela e obrigou-a a afundar mais. 
   O telemóvel que entretanto caíra no chão, começou a acender e a apagar, mas foi ignorado.




Sarah

 As dores nos calcanhares eram insuportáveis, quando parou de dançar e se descolou do corpo de Andrew embaraçada. Ele, sendo gentil, pegou-lhe numa mão e guiou-a para fora da multidão que dançava ou curtia. 
   Sarah nunca se sentira tão viva como naquela noite. Pensado bem, ela nunca dançara neste tipo de festas, nunca tivera a coragem de deixar qualquer regra sua à porta e se descontrair como as outras raparigas. Sentou-se numa mesa vazia. As outras duas ao seu lado estavam ocupadas com bêbados que só voltariam para casa naquela manhã e por um casal que se comia: ela com as pernas presas na cintura dele a beijá-lo enquanto se esfregava; ele a retribuir o beijo, a mexer-lhe nas mamas e mover as ancas. Desviou o olhar, perturbada com o cenário e perdendo a excitação da noite.
   - Vou buscar-nos umas bebidas, volto já.- avisou Andrew já a afastar-se. 
   Esticou as pernas, sentido os músculos agradecer. Olhou para o relógio e viu que eram quase duas da manhã. A mãe devia estar preocupada, por isso enviou-lhe uma mensagem e disse que estaria por casa antes das quatro. Foi quando se lembrou. Onde estás Frank?
Mesmo cansada, levantou-se e percorrer o Velho Celeiro  e a sua cacofonia de pessoas a beber, conversar, fumar, dançar e namorar. Ele não estava no último local em que o deixara. Não estava a dançar, nem a beber algum balcão, nem em qualquer parte. Ocorreu-lhe que ele poderia ter-se ido embora, a abandonada ali na festa com ciúmes por estar a se divertir com Andrew e não lhe passar cartão. O que é que me deu? Estúpida! Amas-o e estás a curtir com um amigo por baixo do nariz dele! Estarei doente?
   Andrew alcançou-a já no exterior, quando  Sarah marcava o número  de Frank. 
   - Onde vais? Ainda é cedo, vamos para dentro.- ele ofereceu-lhe o copo com sumo, com corpo meio virado para o interior.
   - Tenho de encontrar o Frank. Viste-o?- Sarah vasculhou o descampado, as dezenas de carros, as árvores e a casa abandonada que de noite ganhava uma dimensão assombrosa.
   - Vi-o. Ele saiu à um bom bocado com aquele ex dele, a... como se chamava?
   - Danielle Carpet.- respondeu-lhe, a voz baixa e enrolada de facas afiadas prontas a serem cuspidas.- Onde poderão ter ido?
  - Onde mais poderia ser? Devem estar na casa.- Andrew não se apercebia do arregalar de olhos de Sarah, nem de que a mesma deixara de respirar.- Vamos para dentro.
  - Tenho de ir buscá-lo!- começou a caminhar, os pés a rasparem com força e pesar na terra. A cólera, e um sentimento de traição ameaçava desmoronar o seu plano para conquistar Frank. 
   Andrew apareceu à sua frente e impediu-a de andar, pousando as duas mãos, uma em cada ombro seu. Teve de o olhar no olhos, o que implicava inclinar a cabeça. Sentiu-se abalada pela beleza esculpida naquela face com a barba a despertar, o cabelo em desalinho e gotas de suor a secar na testa.
   - Vamos para dentro, ou então levo-te a casa, mas, por favor, não vás.- pedia ele, a prender-lhe o olhar.
   - Porque não? Só vou ver o meu amigo, ver como está e pedir que me leve a casa.
   - Sarah não faças com que sinta pena de ti. 
   Recuou três passos, surpreendida e ofendida.
   - Pena de mim? Vai curar-te.- tentou recomeçar a andar, mas Andrew voltou a intrometer-se no seu caminho.
   - Toda a gente sabe que estás apaixonada por ele. Todos sabem das porcarias que fazes e fizeste para tirar outras raparigas do radar. Contaram-me coisas sobre, ouvi boatos , coisas más. Sabias que tens um grupo de alunos da escola determinados a destruírem e tua fama, a exporem a grande Sarah?- Andrew tinha-a parada, a olhar para si, incrédula, confusa, chocada.- Mas hoje tive contigo e não foi isso que encontrei. Acho que és boa amiga, inteligente, carismática, que vives confinada no teu mundo de regras. Bolas, Sarah conversas-te mais comigo do que com o Frank em todo o tempo vos vi juntos.
   - Cala-te e deixa-me passar!- tentou desviá-lo, empurrando-o, mas ele nem uma palha se moveu e Sarah sentiu-se um idiota.- Não me conheces e tudo o que dizem sobre mim é por culpa da inveja! 
   Dois casais que namoriscavam no exterior começavam a mostrar-se interessados. Sarah queria puder esmagar tudo e todos e poder teletransportar-se para junto de Frank. Raios! Danielle tinha sido uma enorme distração no seu orquestrado plano para conquistar Frank, demorara meio ano escolar a enfiá-la numa gaveta de mentiras e tirá-la de cima de Frank. A maldita fora a primeira de Frank! Fizera-o cometar o pecado da carne, pecado esse que só devia ser concebido com a carne de Sarah a aceitar a carne de Frank. Sem notar fechara as mãos, tentando tomar conta do desespero da situação. Porque não foi uma festa como as outras?
   Tentou dar a volta a Andrew, que lhe provava ser um enorme fiasco e problema para si naquela noite. De alguma forma, ele conseguira fazê-la divertir-se durante umas horas e por isso ele iria pagar bem caro pelas consequências.  Viu-se com o peito de Andrew à sua frente novamente. 
   - Sai da frente, ou começo a gritar e finjo que estás a magoar-me.
   - Eras mesmo capaz...- sussurrou ele, depois de ter conferido a verdadeira ameaça nos olhos dela, muito abertos e  injetarem para o atmosfera tonelada de raiva.- Sarah, tu estás a obcecada, não apaixonada. Queres o que não podes ter.
   A estalada de Sarah ressoou por cima do barulho da noite e os casais que entretanto chamaram amigos, soltaram gritinhos irritantes. Andrew moveu o maxilar e passou a mão pela bochecha. Sarah esfregou a mão com que lhe batera na outra mão. Até ela se sentia chocada pelo que fizera, mas soubera-lhe maravilhosamente bem. Aproveitou para lhe dar a volta e seguir em direção à casa.
   Estacou, como se um meteorito a tivesse esmagado. 
   Viu duas pessoas a saírem da casa, um casal. Reconheceu muito bem os contornos dos corpos que se beijavam. 
   - Eu disse.- confirmou Andrew atrás de si.
   A humilhação serviu-lhe tão bem como a sua vestimenta. A sensação da traição a esfregar-se na sua cara foi como um ardor depois de cairmos da bicicleta e esfolarmos os joelhos no alcatrão. As lágrimas toldaram-lhe a vista e atrofiaram o seu pensamento. O calor nas suas faces denunciavam a vergonha. À medida que eles avançavam, ainda longe, Sarah gravava as trocas de beijos, os apalpões, os risos estridentes e satisfeitos de Danielle que chegavam como flechas e o coração de Sarah era o alvo.
   - Eu levo-te a casa.- disse Andrew atrás de si.
   - Quero ir agora.- conseguiu responder.
   - Vamos, só tenho de ir lá dentro e dizer à minha irmã que arranje boleia.
   Sarah rejeitou a mão dele, e tentou ignorar as pessoas no exterior que se riam dela. Eles sabem todos, testemunhou Sarah. Seguiu Andrew, com os olhos fixos nas suas costas largas e musculadas.  Sarah despertou do seu transe, quando não ouviu música a entrar. 
   - O que é que se passa, aqui?- ouviu ela Andrew a perguntar a um rapaz que conheceu da escola alto e magricela, a cara suada e a roupa a emanar o cheiro enjoativo a vodka.
   - Não sei, uma gajas montaram uma tela ali à frente e não dizem... Espera, tu és irmão da Hanna.. ela é uma dela..
   Sarah não ouviu mais nada, pois Andrew arrastou-a para o meio da multidão. Por cima do palco estava montada uma tela branca, um pano de fundo. Sarah viu pela primeira vez, o projetor no teto, meio disfarçado com fitas que a recordaram das que usava na árvore de natal. As pessoas à sua volta exigiam saber o que se passava, alguma assobiavam. Não se lembrava de haver sessão cinematográfica nas festas do Velho Celeiro. Sentiu um calafrio na espinha.
   Do nada nada a tela foi iluminada por um luz branca. O silêncio imperou, só os mais atravessados se ouviam a respirar. Na tela apareceu escrito, em letras gordas e demasiado grandes: " AQUI ESTÁ A VINGANÇA CABRA!!!"
   Ouviu-se um O geral, mas Sarah não participou. Em vez disso lembrou de uma coisa que Andrew dissera:  Sabias que tens um grupo de alunos da escola determinados a destruírem e tua fama, a exporem a grande Sarah?
   Como se para confirmar no ecrã começaram a aparecer fotos de Sarah. A sua respiração ficou presa no última inspirar que foi profundo. Todos olhavam para a tela, para as imagens dela no balneário do ginásio da escola, nua e algumas no seu quarto e casa de banho a vestir-se, a dormir. 
   - Vamos sair daqui!- disse Andrew, mas Sarah já tinha desaparecido.




Hanna


Sentia-se ótima, concretizada e bastante satisfeita. Fez sinal para que desligassem o projetor e o Velho Celeiro ficou na escuridão. As pessoas começaram a gritar, a ralhar e cochichar sobre as imagens. Um dos irmãos, que coordenavam as festas no Velho Celeiro, subiu ao palco, enquanto dois rapazes retiravam  a tela do palco para que o dj voltasse a dar música.
   - Pedimos imenso desculpa por este imprevisto.- Gustavo lançou-lhe um olhar odioso- A festa vai continuar, e ainda há imenso álcool para consumir! A próxima rodada é por conta da casa!
   Hanna afastou-se do palco. O saltos começavam a atormentar-lhe os pés, por isso dirigiu-se para uma das mesas, onde o seu grupo a esperava. Antes de se sentar, puxou o vestido preto curto mais para baixo e afastou o cabelo da testa. 
   - Foi melhor do que pensámos!- disse Cleide.
   - A cara dela foi o melhor! Viu-se tão bem que a coitada pensava ser invencível!- Claudia era a mais entusiasmada. 
   Sorriu, radiante para as duas amigas. Cleide  era loura de cabelo fino platinado e esticada até ao meio das costas, uns calçoes de ganga curto e rasgados abraçavam as sua pernas magras e a t-shirt, propositadamente larga, descaía na zona dos seios. Claudia era uma mulata muito, mesmo muito bonito. No escuro, as face magras dela ficavam pouco obscurecidas, mas à luz encontravam uma rapariga de cara angulosa e de queixo levantado com um todo café com leito maravilhosamente bem conjugada, a quantidade certa para fazer qualquer rapaz querer saltar-lhe para as cuecas. Ela era toda altura, curvas e Hanna invejava-lhe o par de mamas perfeitas que já tinha visto  em sua casa.
   - Onde estão os outros?- perguntou, dando pela falta dos outros cinco.
   - A Charlotte e o Gasp estão a vir para aqui. Céus, podiam arranjar um quarto.- Claudia  virou a cara, mas Cleide e Hanna observaram o casal a chegar, enquanto se riam e beijavam de forma muito sexual. Hanna arregalou os olhos ao notar a ereção dele nas calças. Louis Gasper, ou Gasp, como era conhecido, estava no último ano do secundário mais Charlotte. Tinham as mesmas aulas, horários e era o único casal que conhecia que namoravam desde infância e Hanna sabia que se amavam e nem sequer sonhava em os ver separados. Era o casal perfeito da secundária. Os dois eram belos, inteligente, sociáveis. Ele fazia parte da equipa de basquetebol, ela era a cheerleader. Ele o típico rapaz louro de olhos azuis, ela a bela rapariga bonita, morena de olhos verdes. Os filhos de ambos seriam o projeto dos deuses.
   - Digam-me que não foram mandar uma e se esqueceram de pagar ao Gémeo?- perguntou Cleide, exasperada.
   - Calma! Houve tempo para tudo.- riram-se todos, exceto Claudia, notou Hanna, com a resposta de Gasp.- O teu irmão foi-nos muito útil, Hanna.
   - Nem acredito que aquele parvalhão passou a noite toda a tentar engatá-la.- Hanna baixou a cabeça, com uma expressão magoada.
   Hanna levantou-se quando viu Danielle a aproximar-se da mesa com o cabelo em desalinho e a roupa amarrotada. Abraçaram-se as duas.
   - Diga-me que valeu a pena? Ela viu as fotos, não viu?- Danielle olhava de olhos abertos, mas um sorriso maldoso encheu-lhe a cara, assim que viu a cara de triunfo dos amigos.
   - Estava com receio de que não pudesse aparecer, mas depois a Claudia e o Christian viram-te, mas já não te apanhei, pois o James arrependeu-se, mas tudo correu bem.- contou Hanna, fixando a cara de choque de Danielle.
   - Estás a gozar? Ele deixou tudo assim? Eu bem avisei que ele era um mariquinhas de primeira.- ripostou Danielle.
   - O James e eu já tratámos dele.- Gasp riu-se e beijou a namorada. Hanna teve pena de James, pois apostava que ele devia ter voltada para casa com uma ou duas costelas partidas. Só esperava que ele não lhe arranjasse problemas.
   - A sorte foi o bonzão do Andrew.
   - O teu irmão? Pensei que ele fosse todo certinho.- Danielle ficou confusa, pensando que Cleide estava a dizer mais algum disparate.
   Hanna revirou os olhos.
   - E é, mas também é um mulherengo de primeiro. O teu Frank estava farto de trazer aquela cabra agarrada  e, vê lá a sorte, hoje o meu querido irmão interessou-se pelas mamas daquela ótaria.
   Hanna apercebeu-se que Danielle estava de difícil compreensão, por isso explicou o que acontecera naquela noite.
   - Foi mesmo uma sorte.
   - Pois foi.
   - Olhem, o Christian e o James estão a chegar.- informou Gasp, a apontar para trás do palco, onde os dois morenos se dirigiam.
   - E não só.- disse Claudia.- O teu irmão vem aí, e parece-me bastante zangado.
   Hanna sentiu o coração acelerado, e mal teve tempo de o procurar, pois ele agarrou-a por um braço e arrastou para um dos cantos do estábulo. Tentou debater-se, mas ele era demasiado forte e viu-se obrigada a tentar acompanhar os passos espaçosos dele. Da mesa, os amigos olhavam para ela curiosos e com a expressão " Já fostes" estampada na cara.
  - Que merda foste tu e aqueles merdinhas fazer?!- gritou o irmão, encurralando-a.
   Andrew não eram homem de se conseguir saltar a tampa facilmente, mas naquele momento Hanna notou que não só a tampa lhe saltou como todo o conteúdo estragado nele se tinha derramado com um erupção espumosa de raiva. Retraiu-se contra a parede. Ele nunca antes gritara com ela e Hanna descobriu ser assustador.
   - Não fizemos nada!- ripostou com um grito, não o encarando.
   - Tretas! O que é que vos deu na cabeça? Aquilo não se faz a ninguém!
   - E o que aquela cabra nos fez já se faz? É isso?- Hanna também estava furiosa. Irritava-lhe o facto de ele não compreender e estar a gritar com ela por causa de Sarah, ainda por cima sabendo da cabra que era.- Só teve o que merece.
   - Meu Deus, Hanna! Acabas-te de arruinar a vida a uma pessoa! Expuseste toda a intimidade dela.- Andrew movia as mãos descontroladamente enquanto lhe gritava.- Ela saiu daqui, e nem sei para onde foi.
   - Quando ela fez o mesmo à Charlotte ninguém, nem mesmo tu, se importou. Lembro-me que até te ris-te quando te contei.
   Andrew fechou a boca, selou-a e engoliu uma bomba de palavrãos.
   - É diferente! Disseste-me que ela estava de biquíni! 
   - Estava nua em algumas!
   - Eu vi essa fotos! Mal se percebia que ela estava sem  parte cima! Quando os pais souberem disto, vão-te matar.
  - Atreve-te só!- ameaçou Hanna, temendo que tal acontecesse.
  - Tu e os teus amigos vão ajudar-me a procurá-la, ou eu próprio conto tudo aos pais, e ainda vos denuncio à polícia. Fico do lado dela, se ela apresentar queixa!- Andrew sorriu, maliciosamente, nos olhos um brilho zangado.
   - Jamais farei seja o que for para  ajudar aquela idiota! Por causa dela tive de repetir os testes finais todos! Ela fez com que a Cleide fosse suspensa três semanas! 
   Andrew esmurrou as tábuas velhas ao lado da sua cara. Sentiu uma breve brisa, e pela sucata, viu que ele partira a madeira podre. Engoliu as palavras, e o seu orgulho e retraíu-se quando ele se aproximou como um predador.
   - Ouve-me bem, sua grandessíssima cabra. Só o repito, mais uma vez. Vais levar esse saltos até aquela mesa e ordenar para que apareçam todos lá fora para me ajudar a procurar Sarah. Tens cinco minutos, ou lido de imediato aos nossos pais, aos de Sarah e à polícia. 
   Entraram numa guerra de olhares, mas Hanna acabou por desviar o olhar e soltar um grito de frustação. Deu-lhe um enorme encontrão para que ele se desviasse.
   - Idiota de merda!- insultou ela, mas dirigiu-se à mesa. Os amigos fingiram estar a conversar.




Helen

 Ia-se embora. A espera era insuportável, e cada segundo que passava era um segundo mais perto do perigo de a encontrarem. Ela sabia que Eles a encontrariam. Apesar de só Abraham conseguir entrar em Philwoods, eles tinham capangas bem pagos, ou crias leais. 
Tinha passado uma semana desde da morte da mãe, e ainda se estava a recuperar, mas tinha um plano, e não ia sair de Philwoods. 
   Após ter esfaqueado o seu antigo amante, só queria fugir, esquecer o cadáver da mãe deitado sobre a mesa da cozinha como um sacrifício pagão, como vira num tablóide, mas uma vez no exterior chorou, deixou-se ser confortada pela saudade, pelo sentimento de culpa e pelo gelo que se fincava no seu coração. Apercebeu-se que o único lugar seguro, seria Philwoods, o único sítio no mundo que sabia que só um Deles podia entrar, por enquanto. Por ela iria se manter assim. Sabia que o plano dos Outros era destruir a barreira, ou o Círculo, como eles lhe chamavam, que impedia todos os outros de entrarem, exceto Abraham, que por uma razão desconhecida entrava e saía conforme lhe dava na mioleira. 
   A noite estava a refrescar, as horas passavam e Helen começava a pensar que Frank se acobardara. Céus, quem é que iria ajudar um suspeita de assassínio? Da própria mãe?, pensou para si. Ainda não tinha sido acusada pelas autoridades, mas ela mantinha-se atualizada, a tentar saber o que se passava na sua terra. Nas redes sociais, quase todos a apontavam e nos jornais que roubava via que era uma suspeita. Assim que a acusassem diretamente Helen estava feita ao bife. Admirava-se até de que Abraham ainda não tivesse mexido os cordelinhos na bolsa para acelerar o processo.
   Bufou ruidosamente. Fora uma ideia estúpida ter pedido ajuda a Frank naquela noite, mas quando soube que iam fazer uma festa no Velho Celeiro, só viu uma grande oportunidade na ocasião. Sabia que era perigoso meter Frank neste tipo de problemas, mas precisava de ajuda para se esconder,e de tempo para arranjar uma estratégia e perceber o que os Outros andavam a tramar e o que tanto queriam de Philwoods.
   Via a lua no céu e pensou que daqui a poucas horas o sol nasceria. O coração batia-lhe já fortemente no peito quando ouviu passos apressados e um choro feminino a pensar. O instinto pediu-lhe que fugisse, que Abraham podia ter arranjado uma isca, mas escondeu-se atrás de um tronco. As lascas mais soltos do tronco cravaram-se-lhe nas costas, mas era uma dor que a despertava para o perigo. Ia deixar a rapariga afastar-se e  depois voltar a tentar ligar a Frank e... era melhor torcer os dedos, pois não sabia o que fazer se ele não a ajudasse. 
   Susteve a respiração e manteve imóvel, tentando ser parte viva da árvore, um único ser vivo. Os passos da rapariga haviam-se tornado mais lentos, o choro tornou-se mais parecido com um lamurio. Devia estar a menos de cinco metros da árvore que a escondia, mas o escuro continuava a esconde-la, e as roupas escurecidas por não serem mudadas há uma semana estavam quase do tom da árvore. Perguntou-se o que faria tão afastada da festa, teria sido traída pelo namora? Violada? Ou estava demasiado bêbeda? 
   - Como é que... nunca mais vou...- o choro interrompeu as palavras da rapariga, mas apesar de a voz estar como se estrangulada pelo choro e os fungos, sentiu que sabia quem era a rapariga.
   Os passos tinham parado, mas o choro continuava a chegar, muito mais perto que os cinco metro de à pouco. Espreitou, um vislumbre rápido que lhe mostrou que a rapariga estava sentada, a chorar contra os joelhos, com as costas encostadas a uma árvore na diagonal na dela. Confirmou que a rapariga teve na festa, pois haviam uns saltos altos ao lado da rapariga que tinha formas familiares. A zona à volta do Velho Celeiro era quase toda descampado, e até chegar à floresta, tinham de andar um bom quilómetro e meio.
   Questionava-se se a a rapariga notaria se desatasse a correr como uma louca. O máximo que poderia acontecer era a rapariga assustar-se e fugir. Deu mais um vislumbre e a rapariga continuava com a cabeça escondida  entre os braços. Contaria até três e correria sem parar até à estrada e de seguida até a um celeiro abandonado nuns terrenos que pertencia ao dono da quinta onde foram encontrados os outros cadáveres. Um, dois... antes de dizer o três, lançou o novo vislumbre à rapariga e o seu sistema nervoso entrou em curto circuito. As suas sinapses começaram a enviar as mensagens lentamente, impedindo-a de reagir.
    Um vulto vestido de fato preto estava de pé, em frente ao corpo choroso encolhido da rapariga que ainda nem notara a presença dele. O contorno que a luz da luz fazia sobre o vulto denunciaram a identidade do homem. Era Abraham. Vinha atrás de si. 
    Congelada de medo, espalmou-se contra a árvore. Olhou em todas as direções e viu árvores e escuro. Os animais tinham parado com o festival de sons noturnos e a rapariga também notou. Ouviu um pequeno gritinho.
   - Quem és tu?- perguntou uma voz enrouquecida e fragilizada.
   Helen abriu os olhos em reconhecimento. O que estás a fazer aqui, Sarah?!
   - Chamo-me Abraham, e porque chora uma rapariga tão bela e jovem como tu?
   Helen sentiu um arrepio subir-lhe pelas costas e uma bola de medo esmagar-lhe os movimentos. Sabia que ele sabia que ela estava ali. E ele sabia que ela sabia que ele ia matar Sarah, caso ela não se revelasse. Mas ela não se esquecera que ele tinha voltado a sua casa, após os capangas do irmãos dele terem morto a sua mãe para a matarem a si.
   Tudo porque Helen era uma Sangue Purpura, e recusava-se a iniciar o ritual.
   



Sarah

   Iria ficar marcada para toda a sua vida, as imagens dela nua, expostas a estranhos, conhecidos e vizinhos... As caras de surpresa deles, os risos, os olhares daqueles que estavam próximos dela e a reconheceram como sendo a rapariga das fotos. Até em sua casa! Tinha a certeza que haviam tido a ajuda do irmão! 
   Como é que não soube, antecipadamente?
   Um novo rio de lágrimas escapou da prisão que eram os seus olho fechados e inchados de tanto chorar. A maquilhagem estava um asco: o rímel escorria como gotas de chuvas negra pela bochecha, a pintura dos olhos estava manchada e deixara de ser ver claro para ficar num tom castanho nojento.
   Fungou sonoramente. Ali ninguém a ouviria. Estava longe de todos eles. As pernas palpitavam de dor por ter corrido mais de um quilómetro sem quase nunca parar, nem para respirar e os pulmões pareciam entrar em combustão e as células combatiam para arranjar moléculas de oxigénio.
   Limpou as lágrimas. Que se lixasse se ia ficar com a maquilhagem ainda mais esborratada. A imagem estava já manchada, mas por uma tinta indestrutível, sendo a cor a humilhação com uns retoques finais de exposição. Após abrir os olhos, a primeira coisa que viu umas pernas. O corpo de Sarah deu um esticão e sem se aperceber estava a travar um grito a meio e estava de pé a olhar para um dos homens de fato mais belo que vira.
   O homem era alto, nos ombros largos transportava poder, ela reconhecia o poder, alguém que conseguia fazer os mais fracos implorar e os mais fortes se submeterem. Intrigou-lhe os óculos de sol escuros, do tipo que os espiões usavam nos filmes.  Ele aproximou-se e ela descolou-se da árvore, colocando-se ao lado desta.
    - Quem és tu?- perguntou numa voz fraca e ainda fragilizada.
   - Chamo-me Abraham, e porque chora uma rapariga tão bela e jovem como tu?- a voz dele era... homem, sensualidade. Sarah sentiu as lágrimas secarem por completo e ficou húmida em lugares que achou impróprio. Devia parecer uma bruxa com a pintura desfeita, os olhos inchados, roupa suja e o cabelo despenteado.
   O homem parecia avaliá-la por detrás dos óculos escuros. Ele deu mais um passo, e parou o segundo quando a viu dar dois passos para o lado. Estava insegura, mas também... curiosa.
   - Nada que te diga respeito. Não és de cá.- conclui, algo que acho óbvio, pelo fato caro, o tom de pele e o... instinto.
   - Sou, só estive algum tempo fora... a viajar, por assim dizer, com uns amigos.
   Houve um momento de pausa. Sentia-se como as modelos nos castings a serem avaliadas por desconhecidos que por vezes nem de moda entendiam, ou que sentia, se calhar, era mais próximo ao que os ratos sentiam dentro de gaiolas a serem avaliados por cientistas. Na sua opinião pessoal, Sarah pensava que os ratos terminavam sempre em sacos selados como produtos fora da validade, alguns mortos, outros experiência falhadas. que seriam incinerados. 
   - A festa não é aqui, continua em frente e vês as luzes.- disse, ocorrendo-lhe que de alguma forma o homem se poderia ter atrasado e estava perdido.
   - Não estou aqui pela festa.- respondeu ele, retirando os óculos.
   Sarah ao princípio formou um O com os lábios, depois os neurónios libertaram na sua mente uma única mensagem válida: aquilo não é natural. A íris dele parecia ter sido inundada com as marés de um mar agitado azul escuro com a luz de uma lua cheia a incidir-lhe, dando ás ondas a parecença com um gancho azul com a ponta afiada a brilhar. Achou perturbador e apanhou-a desprevenida. Queria mesmo dizer-lhe que voltasse a colocar os óculos escuros, mas achou falta de educação e, ao mesmo tempo, via-se a maravilhar inquietantemente aqueles olhos que pareciam anotar cada reação sua.
   - Os teus olhos, eles....
   - Eu sei, e também sei que estás com medo de mim.- interrompeu ele.
   - Não estou com medo de ti.
   - Pois não. Houve gente que já teve mais, neste momento sinto em ti mais revolta e mágoa que medo. Eu podia ajudar-te.
   Pára de olhar para aqueles olhos! Volta para o Celeiro, gritava para consigo própria dentro da sua cabeça, só que pareciam palavras ocas. Aqueles olhos de tão perturbantes e alienados lhe pareciam que parecia ter criado uma espécie de campo magnético entre o olhar de ambos. Nem notou que se tinha aproximado do homem.
   - Estou ótima. Acho que vou voltar para a festa.- disse, conseguindo finalmente quebrar  olhar e dar uns passos, embora forçados, para trás.
   - Podias ficar comigo.- sugeriu o homem, aproximando-se. 
   - Não costume ficar na companhia de estranhos, principalmente quando aparecem, sei lá de onde, de noite numa floresta junto de uma rapariga a chorar.- Sarah viu as faces angulosas do homem ficarem rígidas com o seu sarcasmo.
   - É justo, podia ser até um serial killer, talvez aquele que degolou as gargantas daquele casal.
   - Pois podias. Vou indo.- disse, assustada com o que Abraham lhe dissera. Começou a afastar-se, com passadas largas. Lembrou-se dos saltos altos, esquecidos ao lado da árvore, mas sentia um alarme a apitar dentro de si, a adrenalina a escorrer pelas suas veias, expondo o medo.
   - Quem te o disse que não o sou? Não é Helen?
   Sarah travou. O ar mexeu-se atrás de si e soube que ele se aproximara, mas a falta de som dos passos a ressoar pela terra e folhas fez-lhe confusão e o receio prendeu-lhe os movimentos, não a deixando olhar para trás.
   - O meu nome não é Helen.- respondeu, lentamente.
   - Pois não, Sarah, mas é que a tua amiga está muito envergonhada. Se fosse a ti chamava-a.
  Sarah não chegou a perguntar como é que ele sabia o seu nome e que amiga estava ele a referir-se. Por obstante estava o medo que lhe impingiu a correr.
   Se lhe perguntassem quantos metros correra, só diria se não tinham sido só uns centímetros, antes de um peso a abalroar contra a terra, fazendo-a soltar com um som abafado todo o ar preso nos pulmões e sentir alguns galhos a arranharem-lhe a cara. Gritou, enquanto todas a notícias de raparigas violadas, mulheres assassinadas das formas mais horríveis lhe passavam pela mente como um filme de terror de baixo orçamento.
   - Cheiras tão bem, rapariga. A que é que saberás? 
   - Por favor, não me faça isto! Eu finjo...- as palavras foram suspendias quando o homem lhe agarrou no pescoço e roçou os dentes pelo ombro. Sarah contorceu-se, tentou escapar-lhe, mas em resposta recebeu uma pancada na cabeça que a deixou atordoada. Do nada, sem perceber, o homem ergueu-a e prendeu-a com os braços, expondo-lhe o pescoço. 
   Apercebeu-se que ele era doido, um daqueles violadores com fetiches estranhos. Ia morder-lhe, violá-la e matá-la. O seu corpo seria encontrado, dali a algum tempo, duas semanas, se tivesse sorte, irreconhecível. No pior dos casos, alguns caçadores encontrariam alguns ossos dali a muitos anos.
   - Chama-a!- ordenou o homem, o bafo adocicado.
   - Por favor...
   O homem rugiu e fez mais pressão com os braços.
   - Se não saíres daí, garanto que te faço ouvir os últimos gritos desta fedelha!
   Os seguintes segundos pareceram farpas na consciência. O corpo dela queria apagar-se, por falta de experiência no campo do medo verdadeiro. Apegou-se a todas a força e energia que achou dentro de si, o medo de ser violada, para se manter consciente.
   - Despede-te da vida, querida!- avisou o homem ao seu ouvido.
   Sara não se debateu, recomeçou a gritar. Os dentes do homem fizeram pressão dentro de si, sentiu a pele afundar-se e começar a rasgar-se face à força dos dentes dele.




Helen

Parecia um idoso com a doença de Parkinson: o seu corpo chocalhava, como o sino pendurado no pescoço de uma vaca histérica. Estava com mais medo do que quando ele aparecera na cozinha, após ter descoberto o cadáver da mãe, para a matar.
   Sarah estava inclinada num abraço mortal, o pescoço exposto e com Abraham a enterrar-lhe os dentes na carne. O grito era tão agudo e piedoso que as lágrimas nos olhos tremelicaram. 
   - Deixa-a!- gritou para Abraham.
   O mar turbulento que eram os seus olhos, levantaram-se do pescoço da rapariga que tombou para o chão como se fosse lixo. Sarah deixou-se ficar tombada no chão, com uma mão a tapar o pescoço onde ele a mordera. Viu o sangue a escapar-lhe de entre os dedos, mas não lhe pareceu que fluísse abundantemente, já que nem Abraham tinha a boca  suja, pelo menos exteriormente. 
   Lembrou-se da sensação da faca a enterrar-se na carne dele, do medo que sentira naquela noite, do desespero por lutar pela vida, pelo sofrimento de encontrar a mãe brutalizada. Ao olhar para ele recordou-se de tudo, exceto do amor que sentira por ele. Queria que ele pagasse por tudo, queria que ele e os Outros sofressem o que ela sofrera.
   - Parece que a tua amiga sempre teve piedade de ti.- ele falou para Sarah, que olhava para Helen aterrorizada e confusa.
   Helen pensou em avisar-lhe que não era amigas, pelo contrário, mas não queria trazer o peso da morte de mais uma pessoa.
    - Parece que estás melhor.- tentou fazer conversa, ver-se conseguia fugir.
   Ele sorriu, os caninos expostos, e abriu o casaco.
   - Melhor que sempre, o sangue daqueles dois era... casamenteiro.- e riu-se.- Sabes, se não tivesses cometido aquela estupidez aqueles dois estariam vivos.
   - Como é que me apaixonei por ti! Monstro! Não passas de um assassino!- acusou-o. Quando deu por si, tinha-se aproximado vários passos. Ele erguia uma sobrancelha, surpreendido pela coragem e o ataque de fúria dela.
   - Também me pergunto isso, sabias?- ele também avançou.- Mas deram-me ordens específicas. Destruir-te e encontrar novos Sangue Púrpura. Oh! Pensaste que eras única?
   Era impossível esconder o facto de estar surpreendida. Ele nunca lhe falara de outros como ela. Raios! Ela nem sequer sabia o que era ser com ela? O que era, especificamente. Abraham só lhe dissera que ela era especial, que o sangue dela tinha uma particularidade que os outros humanos não tinham. 
   - Mataram a minha mãe! 
   - Porque tu te recusas-te a fazer o ritual!  
 - Morrer pelo teu bando! Esvair-me em sangue para os teus amigos entrarem em Philwoods? Por mim, nunca!
   Ele era muito mais rápido que ela, e mal terminara o acesso de fúria e já ele lhe agarrava o pescoço, os dedos grossos dele a impedir-lhe o ar de entrar e sair.
   - Sarah... foge!- conseguiu gritar, enquanto o cérebro começava a dar os primeiros sinais de falta de oxigénio.
   O aperto da mão dele tornou-se mais forte e Helen tentou dete-lo com pontapés, murros nos braços e um olhar em pânico. Mal tinha começado a revirar os olhos, quando caiu por terra. A primeira coisa que fez foi sorver ar ás toneladas, várias vezes, de forma aflitiva sem expirar. A segunda foi massajar o pescoço com as suas próprias mãos, tentando afagar o pescoço do aperto mortal. O terceiro passo que fez foi conduzindo pelo instinto e o receio de morrer. Procurou Sarah e Abraham, e encontrou-os. O olhar de Sarah não era de medo, mas sim de resignação. Nem gritou quando Abraham a morder selvaticamente.




Frank

   Os gritos chegaram-lhe por entre a brisa leve e refrescante que surripiava por entre as árvores. Instantes antes pensava estar perdido, mas os gritos serviram-lhe como um farol sonoro.
   - Helen!- gritou para a noite, enquanto dava velocidade ao passo.
   Uma pessoa esperta, só com o mínimo de juízo, teria parado e tentar perceber o que se passava, ligar á polícia e esperar, ou então simplesmente correr para trás, para a segurança do Velho Celeiro com muitas pessoas, embora maior parte delas já bêbedas, drogadas, as duas, ou bastante cansadas.
   Correr pela floresta, nunca fora o seu forte, mas fazia-lhe lembrar quando era criança e fugia com os amigos para brincas ás escondidas na floresta, até que um dos miúdos desapareceu e todos os pais impediram os seus filhos de brincar na floresta, pensando que tinha sido rapto. Cinco dias depois veio-se a confirmar a versão do xerife: a criança entrara demasiado na floresta, perdeu-se e morreu durante a noite gelado do inverno.
   A cena com que se deparou não era concertante. Levou tempo a raciocinar e tentar juntar as peças do que estava acontecendo naquele preciso momento.
    Helen tinha as mãos fechadas em concha sobre a boca, as lágrimas a cair. A roupa dela estava imunda, e o cabelo oleoso. Quando o viu, ficou principalmente desorientada, antes de reagir.
   - Oh meu Deus, Frank. Temos de fugir daqui, já!
   Frank olhou para o segundo cenário.
   Sarah estava como se desmaiada nos braços de um estranho. O homem soltava gemidos e ouvia-se sons de sucção. Foi quando viu o sangue, que manchava o peito de Sarah.
   Ela está a morrer, pensou. Como se o ouvisse, o homem largou o corpo inconsciente de Sarah e afastou-se como se tivesse ganhado repulsa. Olhou para Frank, mas foi como se a presença dela não fizesse qualquer tipo de importância.
   - Não pode ser! Eles vão matar-me!- disse o homem, a olhar fixamente para Sarah, caída aos seus pés.
   Frank só olhou. Helen ao seu lado, parecia ter sido contagiada com a falta de reação de Frank. O homem com a boca ensanguentada ajoelhou-se e cheirou o pescoço de Sarah. De seguida olhou para Helen, que deu um passo a trás e apertou o braço de Frank com um força que o obrigou a controlar um gemido. Quando Frank, finalmente, encarou o homem e viu o olhos dele, foi como se levasse uma estalada.
   Correu em direção ao homem, com o intuito de quebrar a cara, mas quando chegou junto de Sarah ele tinha desaparecido.  Olhou em volta, confuso. Helen tinha a boca aberta, não se movendo. Frank baixou-se e olhou para o corpo estendido à sua frente.
   Sarah tinha o vestido sujo de terra, a cara suja de sangue e maquilhagem. Sentiu o joelho molhado, foi quando se deu conta da poça de sangue que se formava. Colocou as mãos sobre o pescoço de Sarah, fez pressão como via nos filmes, sentia o sangue a pulsar do ferimento. Tudo o que tinha no estômago subiu-lhe até à boca, mas voltou a engolir.
    - Está morta... Chama uma ambulância! Rápido!- pediu a Helen, que se ajoelhou. 
   Helen pegou num telemóvel e marcou um número. Ouvia falar com os do outro lado da linha, a tentar dar-lhes uma localização específica.
   - Toda a gente conhece o Velho Celeiro! Ouça, estamos na floresta, a menos de dois quilómetros da quinta onde encontraram os corpos, só tem de seguir...
   - Continua a falar!- disse impacientemente, mas depois escutou, várias vozes.
   - Sarah! Onde estás?- gritavam algumas vozes, bastante perto.
   - Estamos aqui!- anunciou Frank, suspirando de alívio.- Rápi....
   Helen tapou-lhe a boca.
   - Eles não me podem ver aqui! Ouve, eu contacto daqui a um dia ou dois, até lá inventa uma história. Boa sorte.
   Frank ficou a vê-la a correr pela floresta até a noite a engolir e só restar ele, um corpo a bombear sangue para o exterior e as vozes.
   
   

   

   
   
  






  
   
   



   


   

   

   




   

    


   






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